Meu trabalho na Ucrânia, país europeu com maior índice de tuberculose e HIV

Parte 2 – Donetsk, Ucrânia, Abril 2012

Já estou quase no final da minha missão aqui na Ucrânia, depois de um ano. Passei um frio que vocês não imaginam: 31 graus negativos, dá pra acreditar? Pois é, esse frio todo é inclusive um dos fatores que dificultam a prevenção da tuberculose aqui no nosso projeto, já que nosso trabalho é dentro do sistema prisional. Uma das formas de prevenção dessa doença é a ventilação natural, ou seja, a recomendação para que sejam abertas portas e janelas. Mas dentro de um presídio, isso não é tão simples assim, por causa da segurança, e com este frio todo, ninguém nem pensa nessa possibilidade, né?

Bom, nosso projeto acaba de completar um ano, e, mesmo com algumas dificuldades que fazem parte da realidade dos países soviéticos, estamos crescendo a cada dia. Em meu trabalho como psicóloga, trabalho com uma assistente/tradutora, dois psicólogos nacionais também de MSF e duas psicólogas de uma ONG que trabalha em parceria conosco dentro de um dos presídios. O apoio emocional aos nossos pacientes, que, além de doentes, estão encarcerados, é fundamental.

Além da terapia com pacientes e funcionários, promovemos sessões educativas sobre vários assuntos, como adesão ao tratamento e ansiedade, por exemplo. É muito importante passar informações para o paciente, porque, assim, ele pode entender o que está acontecendo consigo. Meu departamento também é responsável pela prevenção do HIV, qualidade do aconselhamento e testagem. Já dei vários treinamentos teóricos e práticos envolvendo essa parte, desenvolvi material educativo para auxílio visual com a realidade local, e consegui distribuir preservativos dentro do maior presídio em que trabalhamos, a Colony 3. Coloquei uma caixinha de plástico azul cheia de preservativos em todos os banheiros comunitários, com cartazes ensinando como usá-los e aulas educativas com panfletos sobre o mesmo assunto são promovidas semanalmente em todos os departamentos.

Outra responsabilidade nossa é fazer com que o paciente tome a medicação e não interrompa até terminar o tratamento da tuberculose, que é uma doença que tem cura. Já para a Aids, a medicação deve ser tomada para o resto da vida. Um paciente com as duas doenças chega a tomar em média 12 comprimidos por dia, e mais uma injeção nos primeiros oito meses de tratamento! Imaginem isso por aproximadamente dois anos!  E isso sem falar nos efeitos colaterais dos remédios, que são muitos, e que levam o paciente a desistir do tratamento e parar de tomar os remédios. Pra quem não sabe, quando você tem um tipo de tuberculose, por exemplo, e para de tomar os remédios, você acaba desenvolvendo um tipo de tuberculose resistente, que precisa de um tratamento mais longo. Nesse tipo de tuberculose, os remédios já não fazem mais efeitos, pois o paciente se tornou resistente a eles.

A gente tem que desenvolver estratégias para incentivar o paciente a continuar o tratamento, além de dar todo o suporte multidisciplinar necessário. O paciente recebe aqui seus remédios diariamente, mas pode acontecer de ele rejeitar o tratamento, ou simplesmente não buscar a medicação daquele dia. Colocamos em cada departamento, uma caixinha para comprimidos (aquelas com os dias da semana, onde você controla se tomou ou não, sabe?) para cada paciente, e, caso ele não venha buscar os remédios, fica mais fácil para as enfermeiras “visualizarem” quem veio e quem não veio – e, assim, ir atrás de cada um deles. Escrevi também um protocolo chamado “Suporte do Paciente”, que descreve as ações que deverão ser feitas desde o momento em que o paciente chega na Colony 3, até depois que ele sai. Tudo ocorre com apoio de uma equipe multidisciplinar, presente em todos os momentos, e com qualidade no atendimento, priorizando sempre o bem-estar de cada um deles.

Bom, é isso gente… No começo de julho termino minha missão e, em setembro, e outubro estarei estudando francês em um curso intensivo no sul da França, para assim ter mais oportunidades de missões dentro de MSF, por esse mundão a fora…

Muitos beijos, e espero que tenham gostado de saber um pouco mais sobre meu trabalho aqui na Ucrânia, país europeu com maior índice de tuberculose e HIV.

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