Moçambique: “Não temos mais sombra”

Um relato sobre a resposta de emergência à destruição do ciclone Idai

Moçambique: “Não temos mais sombra”

Sou coordenadora de conteúdo de MSF-Brasil há dois anos. Devido à proximidade da língua, fui chamada para apoiar a comunicação da resposta de emergência ao ciclone Idai em Moçambique. Passei os primeiros dias em Maputo, conversando com a pessoa responsável pela comunicação dos projetos regulares no país e, na quinta-feira, 11 de abril, fui para a cidade de Beira.

Depois que o anúncio de embarque foi finalizado no voo, fiquei imaginando por que o avião estava tão vazio. Logo percebi: ninguém vai a passeio para uma cidade destruída.

#humanitariadeprimeiraviagem

Uma das primeiras coisas que noto quando saio do avião é que todas as palmeiras têm as folhas voltadas para a mesma direção norte. Já era assim antes do ciclone; um sinal de que o vento é antigo conhecido da cidade. Mas não há registro de que um ciclone de 200 km/h tenha atingido o país antes.

O carro de MSF nos pega no aeroporto para nos levar ao escritório na cidade. Depois de um longo silêncio que imagino ser efeito de cansaço pelo voo cedo e adaptação ao novo cenário, tão afetado pela tragédia, alguém fala sobre os vários troncos arrancados do chão.

O motorista diz: “Pois, não temos mais sombra”.

Chego ao escritório e encontro vários rostos familiares do Brasil. A equipe de comunicação se reúne, almoçamos e, em seguida, sou engolida por um turbilhão de atividades que só conhecia de textos e vídeos de MSF.

Eles me entregam um colete de MSF; o único tamanho disponível é o GG, que parece ser dois números maior do que eu. É a primeira vez que uso um colete de MSF. Eu só tenho tempo para passá-lo por um dos meus braços antes de entrar no carro. Quando já em movimento, descubro o que vamos fazer. Nós vamos com a equipe de promoção de saúde para os campos com barracas que foram montadas para abrigar quem perdeu a casa. A ideia é entender as necessidades médicas da população e tentar encontrar as pessoas que atendíamos antes do ciclone, para que elas não interrompam o tratamento com antirretrovirais.

Em um dos campos, os promotores de saúde moçambicanos de MSF encontram algumas trabalhadoras do sexo atendidas pelo projeto regular de controle do HIV. Há relatos de pessoas que tiveram que sair às pressas de suas casas e não tiveram sequer tempo de levar os antirretrovirais com elas. Na tenda que funciona como um centro de saúde no campo, elas poderiam pegar o medicamento, mas têm medo do estigma relacionado à doença e não querem que outras pessoas as vejam buscando ou tomando o tratamento.

Mais tarde, entrevistamos uma das educadoras de pares de MSF, um ex-trabalhadora do sexo que nos ajuda a derrubar barreiras e a buscar outras mulheres que, como era o seu caso, estão especialmente vulneráveis ​​para contrair o vírus. A entrevista é boa, mas, como de praxe, a maior parte da história surge quando desligamos a câmera. Ela me conta que o ciclone começou na quinta-feira, 14 de março, e arrancou as telhas de sua casa. Pergunto se a chuva chegou ao mesmo tempo e ela me diz que não. Depois que o vento cessou, a água subiu lentamente e sem alarde. Quando ela percebeu, a água já estava batendo em sua canela. Há quase um mês sua casa não tem eletricidade ou água. Para as necessidades básicas, paga a uma vizinha 15 meticais (cerca de 1 real) por dia por três baldes de água.

Depois de uma rápida passada pelo escritório, seguimos para a casa onde todos os profissionais internacionais jantam antes de dormir. A sensação é de estar em uma torre de Babel em que todos se entendem.

E este é apenas o meu primeiro dia no terreno com MSF.

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