Relatos sobre primeiro contato com a imprensa

Parte 4- Guidam Roumdji, 20 de dezembro de 2011

Esta foi uma das semanas mais diferentes e esquisitas da minha vida. Sem dúvida, a semana campeã depois que estou no Niger.

Há cerca de 2 meses, o pessoal do MSF do Brasil me ligou aqui no Niger dizendo que a Globo estava pensando em fazer um programa aqui em Guidam Roumdji. Seria um programa para o Profissão Repórter sobre médicos brasileiros e eles pensaram em mostrar nosso projeto de desnutrição. Apesar de nunca ter visto o programa e de sempre ter fugido de qualquer aparição pública, achei que seria uma oportunidade única mostrar a realidade destas crianças e o trabalho fantástico que MSF faz aqui.

Alguns dias depois a repórter me ligou e falando com ela tive realmente a impressão de que seria uma coisa boa. Depois desta conversa não tive mais notícias e achei que não tinha dado certo, principalmente porque o Niger não é um lugar de super fácil acesso e infra-estrutura.

Há duas semanas eles me escreveram dizendo que tinha dado certo, que eles viriam e ficariam hospedados conosco em Guidam Roumdji. Fiquei feliz pela reportagem ter dado certo, mas não gostei muito da idéia de ter repórteres em casa.

Como nada é perfeito, a Hannah saiu de férias esta semana e eu fiquei no lugar dela como supervisora dos médicos, além do meu trabalho no CRENI. A Irene também saiu de férias, ou seja, nenhuma referência médica para tirar dúvidas ou chorar as pitangas.

Enfim, eles chegaram na segunda-feira na hora do almoço, a jornalista, Gabriela, o câmera-man, Wellington e, a responsável pelo setor de  comunicação do MSF- Brasil, Alessandra.

No começo foi até estranho falar português depois de tanto tempo, mas foi uma sensação muito boa ter contato com brasileiros. Essa coisa de nação que sempre ouvi dizer mas nunca entendi muito bem, eu senti esta semana. Sem falar que eles nos trouxeram café brasileiro (estamos sem bom café há mais de um mês, nosso café aqui tem gosto de terra), vinho espanhol, toblerone, e muita cerveja de Maradi. E o mais fofo foi que eles nem quiseram tomar o café nem o vinho, nem comer o chocolate para deixar para nós. E a cerveja, eles dividiam para sobrar mais. Nada como o carinho brasileiro (claro que tem exceções, mas a maioria é gentil como eles). Também ganhei creme hidratante e protetor labial um luxo com esta seca daqui.

Por outro lado, nunca tinha tido contato com a imprensa antes e foi muito estranho ter uma câmera atrás de mim no hospital, sem falar que eu imaginei que saberia o que ela iria perguntar antes, mas em geral as perguntas vinham meio do nada e eu acho que respondi a maioria delas no susto.

Adoro falar, principalmente sobre o meu trabalho, mas na hora que via o microfone na minha frente, todas as minhas falas ficavam artificiais e tenho medo de não ter conseguido mostrar a profundidade e a importância do trabalho de MSF aqui. Só depois que eles já estavam aqui é que me dei conta de que é muita responsabilidade representar uma organização como MSF. E que isso seria mostrado para todo o Brasil.

Como nada acontece por acaso, a mala com os equipamentos deles não chegou e os coitados tinham apenas uma câmera e um microfone, sem muita memória. Assim, eles não conseguiram gravar nem metade do que tinham planejado. Apesar da falta de equipamento deles, para mim foi bem difícil conciliar meu trabalho no CRENI, o trabalho de supervisão dos médicos (teve dias que eles estavam uns amores e outros em que acordaram com vontade de discutir) e a gravação do programa sem atrapalhar muito a dinâmica do trabalho e sem que os funcionários do hospital pensassem que estávamos lá para brincar. Fico imaginando se eles tivessem todo o equipamento como teria sido. Acho que eles iriam querer ficar 20 horas por dia no hospital e o resto do tempo pegando todos os detalhes daqui de casa.

Aqui em casa, eles filmaram algumas coisas, mas não quis que filmassem coisas muito pessoais como meu quarto. Aceitei a reportagem para mostrar o trabalho, não a minha vida pessoal.

O momento do jantar foi uma coisa boa, quase todos os dias, jantamos só os brasileiros e foi super gostoso falar na minha língua de coisas que só nós conhecemos. Me senti mais próxima de casa.

Ontem eles iam embora, mas por causa do clima horrível (um vento de areia que queima os olhos e o nariz), o avião não conseguiu pousar e eles acabaram voltando prá cá. Foram embora de carro hoje de manhã, deu pra bater mais um papinho, mas para eles não foi nada legal ficar mais um dia em Guidam Roumdji sem equipamento. Acho que eles não vão esquecer a experiência no Niger tão cedo.

Eu com certeza não esquecerei esta experiência, agora estou ansiosa para saber como ficará o programa, morrendo de medo de não ter ficado bom.

Bom, o programa irá ao ar na terça-feira, dia 20 de dezembro, acho que é às 23h, se puderem assistam e divulguem.
 

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