Saúde mental no noroeste do Iraque

O psiquiatra Felipe Lins fala sobre os desafios de oferecer cuidados a uma população perseguida durante a guerra

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Estou em Sinuni, noroeste do Iraque, a menos de 150 quilômetros de Mossul, terceira maior cidade do país antes da guerra. A população é majoritariamente yazidi, uma minoria que sofreu muito durante os confrontos e que agora volta para casa depois de anos vivendo na região conhecida como Curdistão iraquiano. Alguns têm familiares que saíram do Iraque, o que intensifica o tom afetivo de vários dos relatos que ouço diariamente. É bastante difícil conviver nesse conflito de contraste entre a saudade e a felicidade de saber que filhos, mães, primos e tias têm em outro lugar a esperança de uma vida nova.

Iniciamos o projeto de saúde mental no fim de novembro, quando a primeira psicóloga internacional de Médicos Sem Fronteiras (MSF) chegou à cidade. Menos de 10 dias depois da sua chegada, eu estava em Bagdá, de onde no mesmo dia voei pra Erbil, capital do Curdistão. Lá, fiquei quatro dias para resolver os últimos detalhes do visto necessário para minha permanência no país. Cheguei a Sinuni na primeira semana de dezembro de 2018. Fazia muito frio.

MSF toma conta de um hospital desde a metade de 2018. Nele, prestamos serviços de emergência clínica, pediatria, maternidade e, agora, saúde mental. Contamos com a colaboração de dois conselheiros locais, que são fundamentais para o desenvolvimento do projeto.

Um dos maiores desafios são as diferenças culturais que encontro aqui. Ao mesmo tempo que tentamos promover e prover saúde mental, não queremos impor uma visão ocidentalizada do cuidado. Por isso, todo atendimento é muito sensível. São fundamentais nesse contexto as trocas com os colegas que aqui nasceram e cresceram. Vejo pessoas com sofrimentos bem diferentes dos que estou acostumado a ver no Brasil, ainda que com uma ou outra semelhança. O aprendizado é diário.

Tenho o costume de voltar caminhando para casa todo fim de tarde. No fim do inverno, é bem na hora em que o sol está se pondo. Fica ainda mais bonito ver as crianças jogando futebol na calçada. Dá para ver as montanhas de Sinjar no horizonte sempre que uma delas chuta a bola para o outro lado da rua.

Ainda faz frio, mas menos do que fazia em dezembro, quando cheguei. Agora o sol está mais presente, o que aumenta a quantidade de gente na rua. Não gosto de romantizar o sofrimento; um dos meus objetivos aqui é justamente proporcionar algum alívio diante das angústias de boa parte da população. Trabalho também para que eu seja cada vez menos necessário e para que os colegas locais promovam cada vez mais saúde de boa qualidade. Capacidade eles têm. Mas não posso negar o quanto é bonito ver, em meio a tanta dificuldade, crianças brincando na rua e tentando ser felizes. É apenas um rastro de esperança, mas já é um começo.
 

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