Seis meses vivendo em um campo de refugiados no Sudão do Sul

Seis meses atrás, eu estava chegando ao Sudão do Sul. Lembro-me como me senti perdido ao ver as coisas acontecendo ao me redor e inseguro quanto a minha capacidade de responder às expectativas e de atender às demandas.

Logo que cheguei ao campo de refugiados de Doro tive uma impressão forte. Hoje entendo que a vida num campo de refugiados é uma vida repleta de contrastes, e esses contrastes vivem muito próximos uns dos outros: vida e morte, tristeza e alegria, fartura e escassez, força e fraqueza, simplicidade e complexidade. São muitos os contrastes, e é difícil entender, mais ainda explicar, o que é um campo de refugiados na fronteira do Sudão com o Sudão do Sul.

Olhando para trás, tenho, simultaneamente, a impressão de ter chegado aqui ontem e de ter passado minha vida aqui. O tempo passa rápido quando estamos ocupados tentando parar o tempo para fazer tudo o que precisamos. Ao passo que no final de um dia, a impressão é a de que se passou uma semana inteira.

Em um dia típico, acordo às 7 da manhã já pensando em como organizar as atividades do dia. A primeira atividade, logo após um café da manhã simples, é com a equipe de suprimentos. É preciso garantir o abastecimento na clínica e de mais quatro unidades de saúde menores, e isso inclui desde alimento para as refeições dos pacientes até materiais de construção, passando por itens como sabão, cloro e mosquiteiro, por exemplo. Em seguida, já na clínica, equipes são formadas, instruções dadas, materiais e ferramentas preparados e inicia-se o trabalho. Geralmente, temos atividades em andamento em mais de um local. Por vezes, até em três locais distintos.

É necessário manter em bom estado as instalações existentes e ao mesmo tempo avançar com as construções novas; garantir o fornecimento de energia elétrica e água 24 horas por dia, sete dias por semana; fazer a manutenção dos equipamentos médicos; manter a higiene e o tratamento do lixo hospitalar; e proteger equipe e pacientes com guardas equipados com rádios VHF em bom funcionamento.

Hoje, alguns dias antes de partir desse local que aprendi a amar e que se tornou meu lar, o sentimento mudou completamente. Não que tenha deixado de sentir aquele frio na bariga quando acontece algum “pepino”. É que hoje esse sentimento é pequeno comparado a todo o resto: a saudade que logo vou sentir, aquele pedaço de vida doado por cada um com quem convivi e que vou levar comigo, amigos que vou deixar para trás desejando quem sabe um dia reencontrá-los, tudo que me ensinaram, os trabalhos que fizemos juntos, os momentos sérios e os cômicos.
Não tenho muitas palavras para descrever esses seis meses aqui no Sudão do Sul, país que há pouco completou seus primeiros dois anos de vida, mas onde se é obrigado a lutar como gente grande para sobreviver.
 

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