Uma jornada de medo e ansiedade

“Haradh, no norte do Iêmen, é o fim da jornada para muitos imigrantes”, afirma Tarek Daher, coordenadora geral de MSF no país. Incontáveis imigrantes passam pela cidade no caminho para a Arábia Saudita, cuja fronteira fica a cerca de seis quilômetros dali. Haradh é o lugar onde todos os imigrantes encontram-se: aqueles que tentam incansavelmente cruzar a fronteira para o país vizinho e aqueles que estão tentando voltar para suas casas.

Estima-se que o número de imigrantes em Haradh esteja em torno de 3 mil pessoas. No entanto, os dados atuais são imensuráveis. Homens da Etiópia que deixaram o Chifre da África e desejam chegar aos ricos países do Golfo em busca de emprego são maioria. Mas, a partir do momento que caem na estrada, mesmo antes de chegarem ao Iêmen, essas pessoas ficam à mercê de traficantes que controlam a rota.

Ahmed, de 18 anos, é da Etiópia e vive há um mês nos arredores de um acampamento administrado pela Organização Internacional para as Migrações (IOM) em Haradh. ''Não temos comida nem água e há ladrões por todo canto'', conta ele. Ahmed deixou a Etiópia na expectativa de encontrar uma vida melhor. Sua jornada, no entanto, tornou-se um pesadelo.

Ahmed foi sequestrado quando cruzava a fronteira para o Djibouti. Ele apanhou até revelar o telefone de sua família. A gangue fez a ligação e exigiu um resgate de 200 euros, que foi pago. Ahmed foi mantido prisioneiro por 13 dias. No Iêmen, o mesmo aconteceu novamente - duas vezes. Por 45 dias, ele foi mantido refém até que sua família foi forçada a pagar 1.200 euros por sua libertação.

"Se os imigrantes têm recursos para pagar os traficantes, ainda têm chances de cruzar a fronteira da Arábia Saudita'', afirma Tarek. A violência, no entanto, está presente na maioria das jornadas. ''No hospital de Al-Mazraq, onde estamos trabalhando, por vezes tratamos imigrantes com ferimentos à bala que foram atingidos pela polícia saudita, responsável pela segurança da fronteira", conta Tarek.

MSF tem oferecido cuidados de saúde mental aos imigrantes nos últimos meses. Assim como Ahmed, muitos pacientes de MSF foram vítimas diretas ou testemunharam a violência. A equipe presta suporte aos imigrantes do campo da IOM e arredores, oferecendo aconselhamento voltado para a saúde mental e consultas individuais.

O acampamento é refúgio para a maioria dos imigrantes vulneráveis – aqueles que decidiram retornar a seu país e estão aguardando repatriação. A maioria dessas pessoas são mulheres, crianças, idosos e feridos. No campo, eles recebem abrigo, alimentos e cuidados médicos.

Hindia e seus filhos estão em Haradh há três meses, aguardando a repatriação para voltarem à Etiópia. ''Quero voltar para o meu país'', repete Hindia sem parar. ''Não posso mais ficar aqui.'' Ainda não há data certa para seu retorno, mas ela espera não ter de aguardar muito.

Este é o segundo dos quatro filhos de Hindia. Ele tem sete anos e nasceu na capital do Iêmen, Sana’a, logo após a chegada de seus pais ao país. Quando um psicólogo de MSF pediu que ele desenhasse aquilo que precisa, a criança desenhou poços de água, uma casa para sua família e um veículo.

De acordo com diferentes fontes, cerca de 110 mil imigrantes cruzaram o país em 2012. '"Mas esse número é especulação'', afirma Tarek, "já que é impossível saber quantas pessoas conseguiram entrar na Arábia Saudita e trabalham por lá, ou quantas morreram, ou quantas ainda estão no país."

Quando fala sobre o futuro, Ahmed oscila. Às vezes, ele diz querer ficar em Haradh e ganhar dinheiro suficiente para voltar para casa; outras vezes, ele sonha cruzar a fronteira para a Arábia Saudita e fazer sua vida por lá. Mas quando ele pensa em voltar a viajar da forma como o fez para chegar até aqui, Ahmed é tomado pelo medo da rede de traficantes de pessoas que controla a rota.