Atendendo desnutrição, tuberculose e complicações de parto no centro da Somália

O Hospital Regional de Mudug, apoiado por MSF, é o principal centro médico da região

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Atualmente, partes do sul e centro da Somália estão afetadas por inundações que forçaram centenas de milhares de pessoas a deixar suas casas e desencadearam uma crise humanitária. Mas mesmo antes das enchentes, a população da Somália estava em uma situação muito vulnerável após décadas de conflito contínuo.
 
A cidade de Galkayo, no centro do país, abriga um grande número de pessoas deslocadas internamente que fugiram da violência, da seca e de outras adversidades climáticas. Também há migrantes e refugiados, além de pessoas da região somali da Etiópia, que procuram melhores cuidados médicos.
 
O Hospital Regional de Mudug é o principal centro médico de referência da cidade e atende a uma população de aproximadamente meio milhão de pessoas. MSF apoia este centro desde maio de 2017. Hoje trabalhamos na sala de emergência, cuidamos de crianças desnutridas, tratamos pessoas com tuberculose, ajudamos mulheres com gestações complicadas e gerenciamos clínicas móveis. Estas são algumas das histórias de pacientes de MSF em Galkayo.
 
“Minha filha Farhiya estava muito fraca e não respondia, era como se tivesse desmaiado”, diz Khadro Ahmed Abdi, 28 anos de idade. “Quando chegamos ao hospital por volta das 15h, fiquei muito preocupado. As enfermeiras a levaram para a sala de emergência imediatamente”.
Quando sua filha de 11 meses de vida ficou doente, os vizinhos de Khadro a aconselharam a ir ao Hospital Regional de Mudug, a cinco horas de carro de seu vilarejo de Jira’le, na região somali da Etiópia, deixando seus oito filhos mais velhos sob cuidado de seu marido. A família, dedicada ao pastoreio, vive em uma região afetada pela seca e sobrevive com apenas uma refeição por dia.
 
Farhiya estava gravemente desnutrida e chegou inconsciente a Galkayo. As enfermeiras não perderam um minuto admitindo-a no centro de alimentação terapêutica do hospital.
 
“Depois de receber atenção médica adequada e leite e biscoitos nutritivos Plumpy’Nut (uma pasta terapêutica e altamente calórica à base de amendoim), minha filha melhorou. Dois dias depois estávamos em condições de voltar para casa”, diz Khadro. Sem atenção médica, ela diz, muitas crianças como sua filha simplesmente não sobreviveriam.
 
Seca e violência
 
Altas taxas de desnutrição infantil são comuns na Somália, especialmente entre as famílias deslocadas que foram forçadas a deixar suas casas devido à violência, seca ou outras condições climáticas adversas e que costumam se instalar em áreas urbanas desfavorecidas. Entre janeiro e agosto deste ano, MSF tratou quase 2.000 crianças desnutridas neste hospital.
 
As chuvas insuficientes ocorridas nas estações chuvosas dos últimos anos, exacerbadas pela pobreza e pelas duras condições de vida, contribuíram para o aumento das taxas de desnutrição. Este ano, na Somália, estima-se que 903.000 crianças com menos de 5 anos de idade sofram de desnutrição aguda, incluindo 138.000 que sofrem de desnutrição grave, segundo a UNICEF.
 
Bilal, oito meses de idade, deita-se com a mãe em uma cama na enfermaria de pediatria. Trazido ao hospital pela equipe médica móvel de MSF de sua casa no campo de deslocados internos de Bulo Ba’ley, Bilal está se recuperando de uma diarreia aguda e aquosa.
 
“Bilal teve diarreia por três dias e estava muito desidratado”, diz sua mãe, Kawsar Ibrahim, 25 anos de idade, cujos três filhos mais velhos estão em casa com o marido, que vive de trabalhos ocasionais. “Ele recebeu remédios imediatamente depois que chegamos. Eles conseguiram cessar a diarreia e meu filho está se sentindo melhor. Estou muito feliz que Bilal esteja bem e em breve possa brincar novamente em casa”.
Cinco dias após ser admitido para tratamento, Bilal está pronto para voltar para casa.
 
Más condições de vida e recém-chegados
 
A cidade de Galkayo é dividida em duas por uma fronteira administrativa, com as partes norte e sul pertencendo cada uma a um estado somaliano diferente. À população da cidade são adicionadas mais de 100.000 pessoas deslocadas internamente de toda a Somália, que vivem em campos com poucos recursos. Alguns estão deslocados há anos. O hospital apoiado por MSF oferece assistência médica gratuita a pessoas deslocadas, refugiados e comunidades locais que vêm de ambos os lados da cidade.
 
“Galkayo agora tem mais de 70 campos de deslocados, e toda semana mais pessoas vêm de regiões do país afetadas por secas e conflitos”, diz Bashir Muse Hassan, vice chefe de atividade médica de MSF no Hospital Regional de Mudug. 
 
“Nossas equipes móveis visitam 23 campos quase todos os dias, oferecem atendimento médico básico e encaminham pacientes com condições críticas ao hospital. As pessoas deslocadas não têm água ou comida suficientes, então há um grande número de crianças desnutridas “.
 
Partos complicados
 
As crianças não são o único grupo vulnerável em Galkayo. Na Somália, as taxas de mortalidade materna estão entre as mais altas do mundo. Para a equipe médica e para as famílias de mulheres grávidas, gerenciar complicações durante a gravidez e o parto é um enorme desafio.
 
Deqa Awil Hassan, mãe de sete filhos, de 32 anos de idade, deu à luz por cesariana recentemente, com o consentimento de sua família, depois que os médicos a informaram que ela não podia dar à luz normalmente.
 
“Eu estava na minha 25ª semana de gravidez quando meu útero começou a sangrar. Primeiro eles me levaram ao hospital em Galdogob (cidade somaliana ao longo da fronteira com a Etiópia) e depois os médicos me encaminharam para este hospital”, diz Deqa, natural do distrito de Bokh, na região somali da Etiópia.
 
“Esta foi a minha sétima gravidez e fiquei um pouco assustada. Felizmente, dei à luz um bebê saudável. Estou muito feliz que eu e meu bebê estejamos bem. Quero chamá-lo de ‘Abdi Nasib’ porque ele teve sorte de nascer vivo [o nome composto significa literalmente “servo do destino”].”
Em junho de 2019, a equipe de MSF no Hospital Regional de Mudug recebeu mais de 170 mulheres que sofreram complicações no nascimento, além de outras 19 que precisavam de uma cesariana de emergência. “A partir desse número, você pode entender a importância desses serviços para a comunidade local”, diz Bashir.
 
O sangramento uterino interno é relativamente comum na gravidez, explica o obstetra Abdullahi Mohamed Muse, e apenas 30% das mulheres com essa condição precisam de uma cesariana.
 
“Observamos e controlamos a condição para decidir qual intervenção fazer para salvar a vida de mães grávidas e seus bebês”, diz Abdullahi.
“Tais operações [cesarianas de emergência] só são necessárias quando a vida da mãe grávida está em risco. Tentamos explicar isso para convencer as famílias da importância de salvar a vida da mãe e ajudar a reduzir a alta taxa de mortalidade materna na Somália”.
 
Tuberculose
 
As equipes de MSF no hospital Mudug também estão trabalhando para reduzir os casos de tuberculose, uma doença que se espalha facilmente em condições de superlotação, como acampamentos para pessoas deslocadas em Galkayo. Na Somália, o diagnóstico e o tratamento geralmente não estão disponíveis ou são propensos à interrupção, o que pode resultar em resistência aos medicamentos.
 
Atualmente, existem 172 pacientes inscritos no programa, enquanto no primeiro semestre de 2019 quase 100 pacientes concluíram seu tratamento com sucesso. Apesar das conquistas, ainda existem desafios. Nur Ahmed Nur, que lidera o departamento de tuberculose desde o seu início, argumenta que os pacientes que abandonam o tratamento podem se tornar um problema. Para ajudar a evitar isso, a equipe trabalha com a comunidade e incentiva os pacientes a trazer um parente para apoiá-los durante todo o tratamento.
 
“Esse monitoramento nos ajuda a garantir que os pacientes tomem medicamentos todos os dias”, diz Nur. “Isso, por sua vez, ajuda a impedir o desenvolvimento de formas de tuberculose resistentes a medicamentos”.
 
Fardowsa Hussein Hassan, 40 anos de idade, do norte de Galkayo, contraiu tuberculose pulmonar. Ela completou o tratamento com sucesso em junho, mas retorna ao hospital para exames regulares.
 
“Eu estava muito fraca e doente quando fui levada ao hospital em janeiro”, diz Fardowsa. “Tossi por semanas, e quando os médicos levaram meu escarro ao laboratório, testei positivo para tuberculose. Eles imediatamente começaram a me tratar com medicação. Seis meses depois, agora estou negativa para tuberculose. Sou grata ao hospital e àqueles que compõem o departamento de tuberculose”.
 
MSF trabalha na Somália e na Somalilândia desde 1991. Em 2013, MSF foi forçado a se retirar após uma série de ataques violentos contra sua equipe. Nossas equipes retomaram o tratamento dos pacientes quatro anos depois, em maio de 2017, em reconhecimento às enormes necessidades de saúde da população não atendida. MSF oferece atendimento secundário em hospitais, disponibiliza clínicas móveis com foco em refugiados, populações deslocadas internamente e migrantes e atualmente trabalha na Somalilândia (Hargeisa, Borama, Burao, Berbera, Las Anod), Puntland (norte de Galkayo) e sudoeste da Somália (Baidoa). MSF realiza intervenções de curto prazo na região de Jubaland, com foco específico em atendimento nutricional ambulatorial e resposta a emergências. Nas próximas semanas, MSF começará a implementar atividades médicas em alguns departamentos do Hospital Galkayo Sur, no estado de Galmudug.
 
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