MSF responde à crise de saúde indígena na Amazónia, Brasil

Para combater o aumento de casos de malária, a MSF adotou uma estratégia de deteção ativa de casos, com a equipa a viajar longas distâncias diariamente, de barco ou a pé, para aceder a aldeias remotas

MSF responde a um aumento de casos de malária no território indígena yanomami
© Marilia Izidorio/MSF

A vasta região da bacia amazónica sempre foi um desafio para a prestação de cuidados de saúde às populações indígenas que ali vivem. Apesar disso, nos últimos anos, a complexidade aumentou, dado que a ausência de medidas para proteger algumas comunidades, combinada com os cortes nos orçamentos de saúde destinados a pessoas indígenas, criaram ameaças reais ao bem-estar e, em alguns casos, à sobrevivência destas pessoas.

Em lugar nenhum isto é mais verdade do que para os cerca de 30 000 habitantes do território yanomami – uma área mais vasta do que Portugal – cuja saúde e estilo de vida tradicional estão em perigo.

Grande parte da destruição esteve nas mãos de mineiros ilegais, em busca de ouro. Invadiram o território yanomami, usando maquinaria pesada para limpar corredores de floresta ao longo das margens do rio e abrir caminho para as minas. Estas atividades assustaram os animais que anteriormente eram caçados para servir de alimento, enquanto a poluição das minas envenenou os peixes dos rios, ameaçando a capacidade de as pessoas locais se alimentarem, causando desnutrição.

A degradação ambiental causada pela mineração deixou também o chão marcado com buracos que, cheios com a água das chuvas, criam as condições ideais para a propagação de mosquitos. Como tal, a malária é um problema de saúde crescente na região. Ao mesmo tempo, a violência associada aos mineiros ilegais resultou no abandono de instalações de cuidados médicos por parte de alguns profissionais de saúde, deixando as pessoas sem esses cuidados.

A crise de saúde entre as pessoas indígenas tem-se tornado tão grave que em janeiro de 2023 o novo Governo do Brasil declarou estado de emergência médica no território yanomami.

A Médicos Sem Fronteiras (MSF) juntou-se à resposta do Ministério da Saúde a esta crise, em fevereiro, e enviou uma equipa para providenciar cuidados médicos e de saúde mental no  CASAI, um centro de saúde destinado a pessoas indígenas em Boa Vista, a capital do estado de Roraima, região Norte do Brasil. Quando os cuidados médicos não estão disponíveis a nível local, as pessoas indígenas são encaminhadas para o CASAI, onde podem receber cuidados básicos de saúde, assim como ter um sítio para ficar enquanto esperam por consultas médicas nos hospitais ou clínicas de Boa Vista.

A MSF aumentou recentemente as atividades médicas, em resposta ao aumento no número de casos da malária em território yanomami, enviando uma equipa para a região de Auaris, Nordeste do estado de Roraima – casa para mais de 4 000 pessoas e uma das áreas mais populosas do território. O trabalho da MSF em Auaris tem sido realizado em parceria com o DSEI – o órgão do Ministério da Saúde do Brasil que trata especificamente da saúde dos grupos indígenas.

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A malária já era endémica na região de Auaris, e afetava tanto adultos quanto crianças, mas o problema tem crescido nos últimos anos, enquanto os recursos médicos e os profissionais de saúde diminuem em toda a região. Entre janeiro e junho de 2023, registaram-se 12 256 casos de malária no território yanomami – um aumento de 70 por cento face ao mesmo período em 2022, de acordo com os dados do Ministério da Saúde.

Para combater o aumento da malária, a MSF adotou uma estratégia de deteção de casos ativos, com a equipa a viajar longas distâncias diariamente, de barco ou a pé, para aceder a aldeias remotas e testar as pessoas para a doença.

“Estamos a testar o máximo de pessoas possível, mesmo aquelas que não têm sintomas”, refere a médica Raquel Simakawa, que fez parte da equipa MSF que lançou as atividades em Auaris, em maio.

Esta é uma das melhores formas de diagnosticar e tratar a malária o mais rapidamente possível, reduzindo os riscos de complicações, bem como as taxas de transmissão.”

As pessoas da equipa recolhem um grande número de amostras de sangue. Estas são analisadas no próprio dia por um microscopista, que consegue analisar até cem lâminas diariamente. Durante as primeiras duas semanas de atividades, a equipa da MSF em Auaris testou mais de 1 000 pessoas para a malária, das quais cerca de 200 testaram positivo para a doença.

 

MSF responde a um aumento de casos de malária no território indígena yanomami
MSF responde a um aumento de casos de malária no território indígena yanomami. © Marilia Izidorio/MSF, 2023

Os pacientes que testam positivo começam por tomar medicação antimalárica imediatamente. O tratamento dura entre três dias a duas semanas, dependendo do tipo de malária detetado e se o paciente já tinha contraído ou não a doença anteriormente. Sem tratamento apropriado e a tempo, a infeção por malária pode levar a complicações como anemia grave, dificuldades respiratórias e fraqueza extrema. Para as pessoas com malária grave e para as pessoas já enfraquecidas por outras condições de saúde, a malária pode matar.

“As nossas estratégias de deteção de casos e de tratamento têm de ser muito consistentes”, refere a médica Raquel Simakawa.

É por isso que as nossas equipas fazem visitas semanais às comunidades para que a testagem possa ser repetida. A frequência com que é feita só diminui quando a doença está efetivamente sob controlo.”

A equipa da MSF em Auaris conta com dez pessoas, incluindo profissionais médicos, de enfermagem, uma pessoa microscopista, uma antropologista e um profissional de logística. “Trabalhar em parceria é essencial para assegurar que temos um bom acesso às comunidades, algo vital para chegarmos aos pacientes e prevenirmos que a doença se espalhe”, refere o coordenador da MSF para os projetos na América do Sul, Fábio Biolchini. 

Ainda que a MSF esteja a trabalhar com recursos limitados num território muito vasto, com vários desafios logísticos, Biolchini acredita que as experiências anteriores que a organização tem no tratamento da malária são muito úteis. “A MSF tem uma longa e bem sucedida história de desenvolvimento de estratégias para prevenir e tratar a malária”, refere Biolchini. No ano passado, a MSF tratou mais de 4,2 milhões de casos da doença em todo o mundo.

A Médicos Sem Fronteiras também já tinha tratado casos de malária no Brasil. “Nos anos 1990 tivemos um forte apoio por parte das comunidades indígenas no estado de Roraima para executar uma boa estratégia para detetar e tratar a malária”, conta a diretora-geral da MSF Brasil, Renata Reis.

A grave crise de saúde que afeta o território yanomami é um grande desafio, mas acreditamos que vamos conseguir enfrentá-la de forma mais eficiente se o fizermos em coordenação com os nossos parceiros e, sobretudo, de acordo com as necessidades expressas pelas comunidades a quem estamos a prestar assistência.”

 

A MSF tem estado a trabalhar no Brasil desde 1991, quando as equipas responderam a um surto de cólera na região da Amazónia. Logo em seguida, a MSF ajudou na contenção de uma epidemia de malária no estado de Roraima, trabalhando com promotores de saúde indígenas e microscopistas. Mais recentemente, durante a pandemia da COVID-19, a MSF prestou assistência a populações indígenas nos estados de Mato Grosso do Sul, Amazonas e Roraima.

Além das atuais atividades no território yanomami e no CASAI, em Boa Vista, a MSF mantém, desde 2018, um projeto para apoiar o sistema de saúde de Roraima, após a chegada de pessoas migrantes da Venezuela a este estado. As equipas da MSF também trabalham na cidade de Portel, na região insular de Marajó, no estado do Pará, para ajudar a fortalecer o sistema de saúde local e melhorar o acesso a cuidados de saúde para grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade. 

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