Brasil paga muito caro por seus anti-retrovirais, alerta Médicos Sem Fronteiras

Alto preço dos medicamentos ameaça a sustentabilidade de programa nacional de tratamento de pacientes com HIV/Aids, considerado modelo em todo o mundo

O Brasil está pagando muito caro pelos medicamentos anti-retrovirais usados no Programa Nacional de Combate à Aids, conforme indicaram um estudo de preços realizado pela organização internacional de Médicos Sem Fronteiras (MSF), intitulado 'Untangling the Web – Guia de Preços para a Compra de ARVs para os Países em Desenvolvimento", e um estudo de custo de matéria-prima feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Médicos Sem Fronteiras e grupos da sociedade civil brasileira atribuem os preços altos à estratégia de negociação do governo do Brasil e à concessão indevida de patentes. Tais práticas podem ameaçar a sustentabilidade do programa brasileiro de tratamento de pacientes com HIV/Aids, considerado um modelo em todo o mundo.

No Brasil, apesar dos grandes anúncios de sucesso nas negociações com detentores de patentes de anti-retrovirais (ARVs) de segunda linha, os resultados não são tão satisfatórios. Em geral, os preços estabelecidos para a compra dos medicamentos são exorbitantemente altos. A Gilead, por exemplo, oferece licença voluntária e preços de US$ 207 por paciente por ano para a compra do Tenofovir na Índia, onde as empresas genéricas já desenvolveram o produto por conta própria, e onde a patente pode não ser concedida por não responder aos requisitos de patenteabilidade.

Já o Brasil paga US$ 1.380 por paciente por ano, seis vezes mais do que Índia, pelo mesmo medicamento. Além disso, o Brasil importa o produto pronto e não há previsão de licença compulsória ou voluntária. Enquanto a Abbott fornece o Kaletra® (Lopinavir/ritonavir) por US$ 500 por paciente por ano na África do Sul, o Brasil compra o medicamento de seu fabricante por US$ 1.380 por paciente por ano. Para tornar a situação ainda mais complicada, o governo brasileiro assinou um contrato altamente restritivo e constrangedor que impede por vários anos a renegociação de contrato, assim como a aplicação da licença compulsória sobre qualquer parte do produto.

Atualmente, uma terapia de primeira linha pode custar em torno de US$132 por paciente por ano, mas o custo em média da terapia brasileira (entre primeira e segunda linhas) já ultrapassa US$ 2.500 por paciente por ano. O novo medicamento utilizado para terapia de resgate, Enfuvirtida ou T-20, custa no Brasil US$ 17.000 por paciente por ano. O Tenofovir, por exemplo, que entrou como segunda opção para o tratamento de primeira linha em pacientes com intolerância à Zidovudina, vem sendo utilizado por aproximadamente 19 mil pacientes. Com o decorrer dos anos, aumenta sensivelmente o número de pacientes migrando para terapias de segunda escolha praticamente todas sujeitas a patentes e consequentemente com preços muito mais altos. O impacto no orçamento público de medicamenots é assustador. Um estudo de preços e outro de custos de matérias-primas baseado em planilhas de apropriação de custos com margens razoáveis de lucro, desenvolvido pela Drª Eloan Pinheiro (ex-funcionária da OMS), publicado na revista científica AIDS 2006 (volume 20), mostra que o preço justo tanto do Tenofovir como do Kaletra®, se aproxima dos preços oferecidos na Índia para o Tenofovir e na África do Sul para o Kaletra.

Médicos Sem Fronteiras acredita que o Brasil poderia fazer uso das flexibilidades contidas nos acordo TRIPS, que permitiriam baratear parcialmente o custo dos medicamentos anti-retrovirais de segunda escolha, com a emissão de licenças compulsórias e a produção de genéricos locais. As estratégias de não concessão de patente e de licenciamento compulsório precisam ser adotadas urgentemente pelo governo brasileiro e suas instâncias decisórias sob pena de comprometer a sustentabilidade do programa de combate à Aids no Brasil, até hoje tido como exemplar.

Médicos Sem Fronteiras trata pacientes com HIV/Aids em países em desenvolvimento desde 1990 e começou a oferecer o tratamento com anti-retrovirais em seus programas em Camarões, Tailândia e África do Sul em 2000. Atualmente, MSF oferece a terapia de anti-retrovirais para 80 mil pacientes distribuídos em 65 projetos em 30 países. Do total de pacientes, 5.700 (7%) são crianças.

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