Camarões: acesso a testes é crucial para a resposta à COVID-19

Além do coronavírus, país enfrenta o risco de novos surtos de cólera e sarampo

Camarões: acesso a testes é crucial para a resposta à COVID-19

Cinco meses após a confirmação do primeiro caso de COVID-19 em Camarões, temos uma compreensão mais clara de como ela se espalhou pelo país e a forma correta de resposta a ser empregada. Para chegar a este ponto, os epidemiologistas de Médicos Sem Fronteiras (MSF), que estudam e rastreiam a propagação de doenças, foram fundamentais. Eles analisaram as necessidades da população e orientaram a resposta ao vírus. Franck Ale, epidemiologista regional de MSF em Dacar, no Senegal, e Yap Boum, representante do Epicenter, centro de pesquisa epidemiológica de MSF em Yaoundé, em Camarões, discutem a importância das ferramentas de diagnóstico para combater a pandemia.

Os primeiros casos de COVID-19 foram detectados em Camarões no início de março. Como evoluiu a situação na região cinco meses após o início da pandemia?

Franck Ale – Por toda a África Ocidental, os primeiros casos de COVID-19 foram importados por viajantes que voltavam de áreas onde o vírus já estava disseminado. Com o tempo, também começamos a ver a transmissão local, à medida que o vírus se espalhava rapidamente pelas comunidades e os casos confirmados por laboratório não podiam ser rastreados até uma única fonte de infecção. Nossa capacidade de rastrear a origem da infecção é um bom indicador se uma epidemia está sob controle.

A situação hoje em toda a África está, em geral, longe da catástrofe que se esperava. A África tem cerca de 17% da população mundial, mas é responsável por apenas 3% dos casos de COVID-19 registrados e apenas 1% das mortes. Embora devamos permanecer cautelosos sobre a evolução futura da pandemia, no momento as previsões inicialmente apresentadas não se concretizaram.

Entramos agora em uma fase de transmissão aumentada e sustentada entre a população em geral, que pode ser descrita como a ‘normalização’ da pandemia. Isso significa que teremos que lidar com a COVID-19 por algum tempo. Precisamos nos dar os meios para devolver às nossas sociedades e economias uma aparência de normalidade. No entanto, isso só será possível com a chegada de um tratamento eficaz e/ou uma vacina que seja acessível e disponível a todos os países africanos. Qualquer tratamento ou vacina deve ser adaptado às condições específicas de cada contexto.

Yap Boum – Em Camarões, já são pouco mais de 16 mil casos em todas as 10 regiões do país. Os níveis mais altos de transmissão comunitária estão na capital, Yaoundé, e nas regiões central, litoral, oeste e leste. Em Yaoundé, o principal foco de infecções, estamos cuidando das pessoas no hospital Djoungolo, onde 313 pacientes foram internados entre 25 de abril e 30 de junho. Embora o número de casos seja significativo, o número de mortes ainda é baixo em comparação com o que vimos em outros lugares. Houve menos de 400 mortes até agora, cerca de 2% a 3%, bem abaixo do que era esperado.

No entanto, com o pessoal e os recursos materiais do sistema nacional de saúde esgotados ou redirecionados para combater a COVID-19, enfrentamos agora outro risco epidemiológico de doenças como cólera e sarampo, que são endêmicas em Camarões. É fundamental garantirmos a continuidade do atendimento às comunidades e pacientes afetados por essas doenças, integrando a resposta à pandemia ao sistema de saúde regular. É por isso que centros de saúde especializados, dedicados aos cuidados da COVID-19, foram criados para permitir que outros hospitais continuem respondendo a outras epidemias e doenças, em vez de serem sobrecarregados pelos cuidados com o novo coronavírus.

Qual é o papel da epidemiologia em tal situação e como analisamos a epidemia hoje?

Yap Boum – Para combater a pandemia de COVID-19 em Camarões, MSF implementou muitas iniciativas em seus projetos e oferece apoio constante à resposta nacional nas regiões central, extremo norte, noroeste e sudoeste.
 

No início de agosto, lançamos atividades comunitárias em Cité Verte, um dos três distritos mais afetados da região central. Vimos que menos pessoas estão vindo aos hospitais no momento, então precisamos garantir que elas tenham fácil acesso aos cuidados, mesmo em centros de saúde locais dentro das comunidades. Para isso, agora estamos realizando sessões de informação à comunidade, bem como visitas domiciliares de acompanhamento para casos moderados confirmados e encaminhamentos dos pacientes mais graves para o hospital dedicado. Apoiamos também o rastreamento de pacientes e a vigilância epidemiológica, pois é a epidemiologia que nos permite ter essas informações e direcionar nosso trabalho.

Franck Ale – O papel do epidemiologista é rastrear os casos e estabelecer estratégias para identificar e investigar surtos quando os casos são detectados. Uma tarefa importante para os epidemiologistas durante uma epidemia é a coleta, compilação e análise de informações médicas dos pacientes, o que ajuda a orientar as atividades de saúde pública em áreas onde ocorre um surto. Ao fazer isso, os epidemiologistas ajudam todos os envolvidos a tomarem medidas eficazes para conter a doença rapidamente. No entanto, os dados disponíveis sobre a pandemia atual permanecem incompletos devido à capacidade limitada de testes e às estratégias implementadas em todo o mundo. Por exemplo, se os países decidirem testar extensivamente ou apenas pessoas que entram no país para evitar casos importados.

As limitações do laboratório sempre foram um problema ao tentar rastrear a propagação de uma doença. Isso é comum em epidemias, como sarampo ou cólera, onde muitas vezes é muito difícil confirmar todos os casos em laboratório. Com a pandemia do novo coronavírus, muitos países tentaram aumentar sua capacidade de teste, principalmente reforçando as instalações laboratoriais. No início do surto na África Ocidental, por exemplo, apenas o Senegal conseguiu fazer o teste para o coronavírus. Hoje, quase todos os países da região podem identificar o vírus. No entanto, eles ainda são limitados por sua capacidade de ter testes em tempo real e de obter os suprimentos necessários.

No momento, o teste virológico da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse teste detecta a presença do material genético do coronavírus em amostras coletadas do sistema nasal do paciente para confirmar se o vírus ainda está presente. As amostras são então analisadas em laboratórios altamente sofisticados e os resultados geralmente estão disponíveis em 48 horas. Outro tipo de teste, o teste de diagnóstico rápido, é usado para confirmar a presença do antígeno do vírus no nariz ou sangue da pessoa testada. Com esse teste, você consegue o resultado mais rápido, em 10 a 15 minutos, no local. O teste de diagnóstico rápido ainda está em avaliação, pois sua acurácia é inferior a do teste de PCR.

No entanto, para profissionais de saúde no campo, quanto mais cedo o resultado do teste puder ser confirmado, melhor, pois o objetivo de um sistema de vigilância não é necessariamente ter sucesso na confirmação de todos os casos, mas sim estabelecer um sistema robusto para identificação rápida de casos. Mas, para isso, precisamos de ferramentas confiáveis e acessíveis, daí a necessidade de disponibilizar testes de diagnóstico rápido, especialmente em áreas remotas fora das capitais africanas.

Avaliações de testes de diagnóstico rápido foram realizadas em Camarões. Vocês podem nos contar mais sobre isso?

Yap Boum – Diferentes testes de diagnóstico fornecem respostas para diferentes perguntas. A primeira é se o vírus está presente na pessoa testada, seja por PCR ou teste de diagnóstico rápido. A segunda questão é se a pessoa foi exposta à doença. Os anticorpos contra a COVID-19 também são procurados no sangue dos testados, para saber se a pessoa foi recentemente infectada pelo vírus. Isso nos permite avaliar o grau de transmissão do vírus na comunidade, que também é mais um indicador para medir a evolução de um surto.

Em Camarões, a equipe que coordena a resposta nacional decidiu usar testes de diagnóstico rápido, embora o teste recomendado para o diagnóstico de COVID-19 pela OMS continue sendo o teste de PCR virológico. Como precisamos ter acesso mais rápido ao diagnóstico para aumentar o número de pessoas que podemos testar, Epicenter, MSF e a equipe de coordenação nacional para a resposta queriam avaliar o teste diagnóstico rápido, em comparação com o teste de PCR. Para tanto, Epicenter e MSF trabalharam com o Centro Nacional de Operações de Emergências Sanitárias (COUSP) para montar um projeto de avaliação dos diversos exames disponíveis em centros de triagem e saúde. Isso incluiu o hospital Djoungolo em Yaoundé, onde MSF cuida de pacientes com COVID-19. Após este estudo, tornou-se possível fazer o teste em todos os distritos de saúde, obtendo um resultado em um tempo relativamente curto. Agora, estamos trabalhando em uma estratégia de triagem móvel, que nos permitiria instalar equipes de teste em mercados, universidades e áreas de alto tráfego.

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