Cinco perguntas e respostas sobre o surto de mpox na RDC

Entenda o surto de mpox (varíola dos macacos) na República Democrática do Congo, onde o número de casos tem aumentado drasticamente nos últimos meses

Congo - Varíola dos Macacos
© Augustin Mudiayi/MSF

Há mais de dois anos que o número de casos de mpox (antes designada por varíola-dos-macacos) aumenta na República Democrática do Congo (RDC). No entanto, a situação tem vindo a piorar nos últimos meses, devido ao aumento do número de pessoas afetadas, ao surgimento de uma mutação que tornou possível a transmissão do vírus de humano para humano e ao aparecimento de casos suspeitos em campos para deslocados na província de Kivu Norte.

O que é que se passa e o que é que as equipas da Médicos Sem Fronteiras (MSF) estão a fazer para lidar com esta nova emergência? Louis Albert Massing, coordenador médico da MSF na RDC, fornece algumas respostas.

 

O que é a mpox e que riscos apresenta?

Mpox é uma doença causada pelo vírus da varíola-dos-macacos. É transmitida pelo contacto próximo entre pessoas ou animais infetados. É endémica na África Central (estirpe I) e na África Ocidental (estirpe II) desde a década de 1970 e propagou-se rapidamente pelo mundo em 2022 e 2023, quando foram reportados dezenas de milhares de casos ligados à variante da África Ocidental em mais de 110 países.

Na prática, a mpox causa erupções cutâneas, lesões e dor, requerendo apoio médico para enfrentar os sintomas da forma mais eficaz possível e evitar outras complicações. A maioria dos pacientes tratados recupera em um mês, mas a doença pode ser fatal se não for tratada.

Na RDC, onde a estirpe assinala uma taxa de mortalidade muito mais alta do que na África Ocidental, morreram mais de 479 pessoas desde o início do ano. Para referência, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 89 pessoas tenham morrido de mpox em todo o mundo em 2022.

 

Qual é a situação atual na RDC?

RDCongo - varíola dos macacos
Hospital geral de Budjala, apoiado pela MSF na resposta à mpox. © MSF, 2024

Historicamente, a doença é endémica em 11 das 26 províncias do país. O número de casos tem aumentado a pico nos últimos dois anos e, em dezembro de 2022, as autoridades de saúde acabaram por declararar uma epidemia. Em 2023, o número triplicou: mais de 14 600 casos suspeitos e 654 mortes.

Porém, em 2024, a situação agravou-se ainda mais. Entre janeiro e meados de julho, foram relatados mais de 12 300 casos suspeitos, com 23 províncias afetadas.

A aceleração da epidemia é preocupante, especialmente porque foi identificada uma mutação genética na província de Kivu Sul, que tem causado uma cadeia de transmissão humana de forma ininterrupta nos últimos meses. Foi identificada como a estirpe da Bacia do Congo, uma variante diferente da que causou a epidemia global em 2022.

Além dessa mutação, outra causa de preocupação é que a doença foi reportada em campos de deslocados nos arredores de Goma, em Kivu Norte, onde a alta densidade populacional está a tornar a situação crítica. Há um risco real de uma explosão da doença, dado os enormes movimentos populacionais dentro e fora da RDC.

A identificação dos casos, o acompanhamento dos pacientes e os cuidados disponíveis permanecem extremamente limitados, enquanto a falta de vacinas torna a situação ainda mais difícil.

A percepção da doença como ligada ao misticismo ou à feitiçaria em algumas comunidades também complica a adesão das pessoas às medidas de saúde pública. Isso ilustra a necessidade de trabalhar em estreita colaboração com líderes comunitários para que todos adiram às medidas. A MSF apela à mobilização de todos os envolvidos na resposta e para que as comunidades em risco sejam protegidas o mais rápido possível pela vacinação.

 

Há vacinas contra a doença na RDC?

A RDC aprovou duas vacinas e está a tentar obter provisões, mas, nesta fase, ainda não estão disponíveis nenhumas. Estão em curso negociações com alguns países e estão a ser identificadas áreas prioritárias. Esperamos que tudo se afigure resolvido em breve e que sejam fornecidas vacinas suficientes ao país para agir nas principais áreas da epidemia.

 

O que é que as equipas da MSF estão a fazer durante este limbo?

RDCongo - varíola dos macacos
MSF no centro de isolamento do hospital geral de Uvira. © MSF, 2024

Estabelecemos várias ações para apoiar a resposta ao surto. Esta não é a primeira vez que tal acontece: já foram realizadas atividades de emergência em 2021 na província de Mai-Ndombe, depois em 2023 e no início de 2024 na província de Équateur. Mas estamos a intensificar os nossos esforços devido aos desenvolvimentos recentes.

Desde meados de junho, uma das nossas equipas tem apoiado a zona de saúde de Uvira em Kivu do Sul. Estamos a dar assistência à prestação de cuidados para pessoas com sintomas graves no hospital geral de referência de Uvira e a acompanhar pacientes com formas mais leves da doença em regime ambulatorial, enquanto isolamos casos suspeitos. As nossas equipas estão a capacitar profissionais médicos e também estão envolvidas em medidas de prevenção, controlo de infeções e consciencialização comunitária. Em Uvira, nas últimas cinco semanas, já foram tratados mais de 420 pacientes pela MSF, incluindo 217 casos graves. Também estamos a fornecer kits para tratamento e recolha de amostras aos hospitais.

Em Kivu Norte, iniciámos atividades de vigilância e consciencialização nos campos para deslocados em Goma, onde estamos presentes, e estamos a reforçar as instalações de saúde em termos de triagem, isolamento e gestão de pacientes com sintomas de mpox.

No Noroeste do país, foram lançadas outras duas intervenções: uma na zona de saúde de Bikoro, em Équateur, e outra na zona de saúde de Budjala, em Ubangi do Sul. Ambas as intervenções serão realizadas durante vários meses. Também visam formar os profissionais médicos, fortalecer a vigilância epidemiológica, as medidas de prevenção e o controlo de infeções, o que inclui a consciencialização comunitária, especialmente para grupos de pessoas que, por vezes, são mais difíceis de envolver, como as pessoas com deficiência.

Em Budjala, foram tratados 329 pacientes com o nosso apoio entre meados de junho e meados de julho. Na província de Équateur, também realizaremos pesquisas operacionais com as autoridades de saúde para entender melhor a dinâmica do vírus e como combater a doença.

 

Quais devem ser as prioridades imediatas?

A epidemia está a propagar-se por áreas com realidades demográficas e geográficas muito diferentes. A resposta deve ser não apenas multissetorial, mas também adaptada a cada contexto. Enquanto aguardamos a chegada das vacinas, são necessárias ainda mais entidades para apoiar outros aspectos-chave da resposta, como a análise laboratorial, vigilância, apoio ao isolamento, sensibilização, etc. E, claro, cuidados aos pacientes. Hoje, todos esses aspetos sofrem com carências e exigem enormes recursos para funcionar corretamente.

Para o resto, como eu dizia, só podemos apelar, como tantos outros, para que as vacinas cheguem ao país o mais rápido possível e em grandes quantidades, para que possamos proteger as comunidades nas áreas mais afetadas – particularmente os grupos mais em risco, como os trabalhadores de saúde congoleses, que estão na linha de frente do tratamento da infeção, bem como outros grupos em risco, como trabalhadores sexuais e deslocados em campos.

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