Comboio médico da MSF: dados e testemunhos de pacientes revelam persistentes ataques indiscriminados contra civis na Ucrânia

Civis alvejados durante evacuações ou atacados enquanto tentavam sair de zonas de guerra; bombardeamentos e disparos de artilharia indiscriminados mataram e mutilaram pessoas que viviam e se abrigavam em áreas residenciais; pessoas idosas brutalizadas e atacadas diretamente

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Comboio médico da MSF: dados e testemunhos de pacientes revelam persistentes ataques indiscriminados contra civis na Ucrânia
© Andrii Ovod

Dados médicos e testemunhos de pacientes transferidos pelo comboio de encaminhamentos médicos operado pela Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Ucrânia demonstram que a guerra neste país está a ser conduzida com uma chocante falta de cuidado em distinguir e proteger os civis. Mais de 40 por cento dos feridos de guerra transportados no comboio da MSF são pessoas idosas e crianças com ferimentos resultantes de explosões, amputações traumáticas, ferimentos por estilhaços ou tiros. A MSF sustenta que isto indica uma ausência do respeito pela proteção de civis, o que constitui uma grave violação da lei internacional humanitária.

Entre 31 de março e 6 de junho, a organização médico-humanitária transportou por comboio 653 pacientes a partir de áreas afetadas pela guerra no Leste da Ucrânia para hospitais localizados em zonas mais seguras no país. Durante estas viagens, que podem demorar 20h a 30h, profissionais médicos e de enfermagem monitorizam os pacientes a bordo e providenciam-lhes cuidados para os manter estáveis. Muitas destas pessoas partilharam com as equipas da MSF as experiências angustiantes pelas quais passaram.

© Andrii Ovod

 

“Os ferimentos dos nossos pacientes e as histórias que nos contam demonstram sem sombra de dúvida o nível chocante de sofrimento que a violência indiscriminada desta guerra está a infligir nos civis”, frisa o coordenador de emergências da MSF Christopher Stokes. “Muitos pacientes transportados pelo comboio da MSF foram feridos em ataques militares que atingiram áreas residenciais. Apesar de não podermos apontar especificamente para uma intenção de atingir civis, a decisão de usar armamento pesado em larga escala sobre áreas densamente povoadas significa que os civis estão inevitavelmente, e por isso de forma consciente, a ser mortos e feridos.”

Dos relatos feitos pelos pacientes à MSF, vários aspectos angustiantes emergiram de forma consistente:

  • civis foram alvejados durante evacuações ou atacados enquanto tentavam sair de zonas de guerra
  • bombardeamentos e disparos de artilharia indiscriminados mataram e mutilaram pessoas que viviam e se abrigavam em áreas residenciais
  • pessoas idosas foram brutalizadas, atacadas diretamente e o seu estado de especial vulnerabilidade foi completamente ignorado pelas forças atacantes
  • os ferimentos sofridos são frequentemente extensos e horríveis e parecem afetar todas as pessoas, atingindo de forma indiscriminada pessoas do sexo masculino e feminino, novas e idosas

As pessoas transferidas pelo comboio da MSF são maioritariamente pacientes com hospitalização a longo prazo ou feridos recentes de guerra que precisam de cuidados pós-cirúrgicos na sequência de ferimentos de traumatologia. De entre os mais de 600 pacientes transportados e que receberam assistência a bordo do comboio médico da MSF ao longo de dois meses, 355 foram feridos em resultado direto da guerra. E a esmagadora maioria destas pessoas sofreu ferimentos devido a explosões. Acresce que 11 por cento dos pacientes com ferimentos de traumatologia relacionados com a guerra tinham menos de 18 anos, e 30 por cento mais de 60 anos.

“Eu ia a caminho da casa de banho quando a explosão aconteceu. Perdi a consciência e caí. Quando despertei, a minha cara estava coberta de sangue seco. Tinha uma fratura exposta num braço e também devo ter partido o nariz quando caí. Estava sozinha e cheia de dores, a gritar por ajuda, mas ninguém me ouviu. Mais tarde, um voluntário encontrou-me e esteve dois dias a tentar chamar uma ambulância para me levar para o hospital”, conta uma mulher de 92 anos, de Lyman, na região de Donetsk.

Os ferimentos causados por explosões representam 73 por cento dos casos de truamatologia relacionados com a guerra, e 20 por cento devem-se a estilhaços ou tiros. Os restantes resultam de outros tipos de incidentes violentos. Mais de dez por cento dos pacientes com ferimentos de guerra perderam um ou mais membros, o mais novo deles com apenas seis anos.

Comboio médico da MSF: dados e testemunhos de pacientes revelam persistentes ataques indiscriminados contra civis na Ucrânia
© Andrii Ovod

Os pacientes da MSF e seus cuidadores transportados pelo comboio médico da MSF contam histórias inimagináveis de crianças, homens e mulheres encurralados no conflito, bombardeados nos abrigos, atacados durante evacuações e gravemente feridos por explosões, por bombas, por tiros ou por minas e estilhaços. Algumas pessoas reportam ter sido feridas quando estavam em casa. Outras ficaram sob os disparos de armamento pesado enquanto tentavam deslocar-se para áreas mais seguras. A maioria dos pacientes que descreveram as suas experiências às equipas da MSF, ao ser-lhes perguntado a quem atribuem a responsabilidade pelos ferimentos sofridos, apontam para forças militares russas e apoiadas pela Rússia.

“Como em todos os conflitos, a MSF urge todos os grupos armados a respeitarem a lei internacional humanitária e a cumprirem as suas obrigações de proteger a população civil e infraestruturas civis, a permitirem que as pessoas fujam em busca de segurança e a permitirem uma atempada e segura transferência das pessoas doentes e feridas. Além disso, instamos a que exista acesso humanitário para ser providenciada assistência às pessoas onde quer que estejam. Estamos a ver na Ucrânia o que, no mínimo, constitui ataques indiscriminados contra civis, pelo que o nosso pedido é especialmente urgente”, sustenta o presidente da MSF Bertrand Draguez.

 

A Médicos Sem Fronteiras trabalhou pela primeira vez na Ucrânia em 1999. Desde 24 de fevereiro de 2022, a organização médico-humanitária reforçou de forma significativa e reorientou as atividades desenvolvidas no país para dar resposta às necessidades criadas pela guerra na Ucrânia. Aqui se inclui o comboio de transferências médicas que transporta pacientes de hospitais perto das linhas de combate no Leste, os quais estão a receber ou se preparam para receber fluxos de novos pacientes feridos, e os encaminha para hospitais na zona ocidental do país, onde as pessoas podem continuar o tratamento. O comboio médico da MSF é operado em colaboração com o Ministério da Saúde ucraniano e os Caminhos de Ferro da Ucrânia. Entre 31 de março e 6 de junho, a MSF transportou e cuidou de 653 pacientes no comboio.

No Leste e Sul da Ucrânia, a MSF tem igualmente ativo um sistema de encaminhamento por ambulâncias. Apesar de prestar apoio médico nas regiões afetadas por intensos combates no Leste e Sul do país e no comboio de transferências, a MSF não tem acesso direto aos locais de onde a maioria dos pacientes assistidos são oriundos e onde os combates são mais brutais.

A MSF está também a providenciar assistência médica e humanitária a pessoas deslocadas para outras áreas da Ucrânia, incluindo a prestação de cuidados de saúde mental, o tratamento de sobreviventes de violência sexual e ainda operando clínicas móveis e fazendo doações de provisões médicas e outras a hospitais. Além disso, equipas cirúrgicas estão a prestar assistência em hospitais no Leste e Sul da Ucrânia, onde a MSF providencia transferências de ambulância entre hospitais. As equipas da organização médico-humanitária providenciam também assistência a pessoas que saíram da Ucrânia e se encontram nos países vizinhos da Bielorrúsia, Eslováquia, Polónia e Rússia.

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