Contra o preconceito no Dia Internacional do Aborto Seguro

Em Moçambique, o aborto seguro é legal e gratuito até às 12 semanas de gravidez desde 2017, no entanto, devido a preconceitos e/ou falta de informação, os abortos inseguros são ainda frequentes

© Miora Rajaonary

No centro de saúde de Inhamizua, na Beira, onde a MSF providencia apoio às equipas do Ministério da Saúde na prestação de cuidados de aborto seguro e de serviços maternos, uma parteira recorda os momentos partilhados com pacientes: “Algumas pessoas falam do trabalho que eu faço e dizem que não devia ser feito e que é prejudicial. Mas muitas dizem que é bom porque estamos a ajudar as pessoas. Por exemplo, estamos a ajudar as jovens a continuarem a ter tempo para poder estudar na escola. Há algo humano em quando alguém vem aqui fazer um aborto. Depois voltam para dizer ‘Obrigada, enfermeira. Correu tudo bem.’ Eu lembro-me destas pessoas.”

 

Há algo humano em quando alguém vem aqui fazer um aborto” – parteira da MSF na Beira.

 

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Parteira no centro de saúde de Inhamizua. © Miora Rajaonary

O aborto seguro é legal e gratuito até às 12 semanas de gravidez em Moçambique desde 2017, no entanto, devido a preconceitos e/ou falta de informação, os abortos inseguros ainda são frequentes. Qualquer aborto fora de uma unidade de saúde pode causar a morte e complicações graves para a saúde da mulher, como infertilidade, hemorragias, infeções e perfuração de órgãos. O aborto inseguro é uma das principais causas de mortalidade materna a nível mundial: a cada dois minutos, uma mulher morre devido a um aborto inseguro em todo o mundo.

As equipas da MSF prestam apoio ao Ministério da Saúde em dez centros de saúde na Beira que providenciam cuidados de aborto seguro e cuidados para o VIH e doença avançada do VIH. Neste apoio inclui-se um programa de mentoria para os profissionais do Ministério da Saúde com enfoque em orientações médicas e atitudes sensibilizadas para com grupos estigmatizados, de forma a ajudar a remover barreiras no acesso das pessoas aos serviços de saúde.

 

É um mito que já não se possa voltar a engravidar após ter-se feito um aborto [seguro]. Porque eu fiquei outra vez grávida normalmente”. – Beatriz, estagiária no centro de saúde de Chingussura

 

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Beatriz* (à esquerda) fala com as colegas no centro de Chingussura. © Miora Rajaonary

Beatriz* está a a aprender a ser parteira no centro de saúde de Chingussura, onde a MSF também presta apoio às equipas do Ministério da Saúde. Há um ano, quando ainda estudava, foi a este centro de saúde na Beira como paciente para receber cuidados de aborto seguro, tendo ouvido falar dos serviços ali prestados por outras profissionais de saúde.

“Tive o apoio da minha família, do meu marido. De início ele não aceitava, mas depois de conversarmos sobre a minha situação, que eu estava a estudar, ele aceitou. É um mito que já não se possa voltar a engravidar após ter-se feito um aborto [seguro]. Porque eu fiquei outra vez grávida normalmente”, frisa.

Noutra sala do centro de Chingussura, Judite* conversa com uma parteira. Felizmente, os cuidados de aborto que recebera duas semanas antes correram bem, conta: “Fiz o aborto, que correu bem, e trataram muito bem de mim.”

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Judite* fala com uma parteira no centro de saúde de Chingussura. © Miora Rajaonary

 

Apoio a grupos estigmatizados

Além de cuidados para o aborto seguro, a MSF providencia cuidados descentralizados a grupos de populações-chave em comunidades com poucos recursos, como trabalhadores do sexo, mulheres transgénero, homens que fazem sexo com homens e também adolescentes em situação de vulnerabilidade. Isto é feito através de clínicas móveis e da formação de trabalhadores-pares para disponibilizar alguns serviços diretamente às comunidades que integram.

 

Conhecemo-nos e somos amigas, e ninguém se ri de nenhuma outra de nós porque passamos por muitas coisas diferentes no nosso trabalho.” – Emily, trabalhadora do sexo.

 

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Uma profissional da equipa de consciencialização da MSF fala com Emily*, trabalhadora do sexo. © Miora Rajaonary

“As pessoas aqui partilham informação, especialmente entre as mulheres como eu que fazem trabalho do sexo”, explica Emily*, trabalhadora do sexo e paciente numa clínica móvel da MSF num bairro com poucos recursos na Beira. Nestas clínicas móveis são promovidas conversas pela equipa de proximidade comunitária da organização médica-humanitária. “Somos livres, partilhamos todos os nossos segredos. Conhecemo-nos e somos amigas, e ninguém se ri de nenhuma outra de nós porque passamos por muitas coisas diferentes no nosso trabalho”, descreve ainda Emily.

 

*Nome alterado para proteger a identidade

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