A corrente de prata: como salvar uma vida no Iêmen

A corrente de prata: como salvar uma vida no Iêmen

Georgina, uma médica australiana, conta sobre uma emergência em um hospital no Iêmen, devastado pela guerra.

São 9h30 e, em algum lugar da casa, um telefone está tocando. O Ramadã está chegando ao fim e as manhãs aqui são lentas. Suponho que o toque estridente está chamando outra pessoa – um logístico para uma falta de energia inesperada ou talvez um dos profissionais do escritório não consegue entrar. Mas, como continua, corro para o meu quarto.  É o tradutor da manhã:

“Apenas uma ligação para que você saiba”, diz ele, casual, sem pressa. “Há um paciente no pronto-socorro com um ferimento a bala. Ele está estável, sob controle.”

Com as tensões flutuantes no país e alguns projetos de MSF fechados após ataques, é o protocolo notificar o coordenador do projeto (minha função) sobre todos os pacientes com ferimentos a bala para que possamos avaliar e monitorar a situação.

Posso transmitir essas informações, mas minha responsabilidade é principalmente com o paciente e meus colegas locais. Agora estou bem familiarizada com o dano que uma única bala pode causar. Eu pergunto sobre a lesão. “Apenas o peito ou talvez o abdômen, mas ele está estável, sob controle.”

Tomando uma atitude

Coloco rapidamente ea abaya e o hijab (uma roupa parecida com uma capa e a cobertura da cabeça usada por algumas mulheres muçulmanas) sobre meu uniforme – minha própria exigência de segurança para os movimentos entre nossa casa e o hospital, em uma área rural conservadora do Iêmen – e subo correndo a colina com destino à sala de emergência.

A sala de ressuscitação está muito menos agitada do que deveria. Os sinais vitais do paciente parecem bons, mas a pessoa abaixo do monitor está pálida e suada, com respiração rápida e difícil.

Há bandagens novas enroladas nos ombros do paciente, estancando o sangramento das feridas de entrada e saída infligidas por um único tiro, cerca de uma hora atrás. No espaço entre os ombros, são muitas as maneiras capazes de matar um ser humano.

Identificando o problema

Ele já recebeu remédio para conter o sangramento, controlar a dor e evitar as infecções prováveis que surgem quando um projétil metálico e sujo rasga a carne humana.  Quando coloco o estetoscópio no peito, identifico o problema imediatamente. Embaixo das minhas mãos, sua pele está crepitando, bolsões de gás estouram, tendo escapado de um pulmão ferido.

A equipe aguarda um raio-X – um luxo que pode atrasar o tratamento vital. Mas um ultrassom ao lado da cama confirma minhas suspeitas quando vemos sangue e ar enchendo a cavidade torácica onde deveria estar o pulmão.

A corrente de prata

Meu colega nunca colocou um tubo torácico, um procedimento necessário para descomprimir o ar e o sangue e para permitir que o pulmão continue a expandir-se. Mas ele tem todo o conhecimento teórico. Ele está no fim de um turno noturno tranquilo, mas pronto e ansioso. Paramos um momento para discutir o procedimento, fazer um plano e nos preparar. Meu trabalho aqui é sobre capacitação e esta é a oportunidade perfeita para ele crescer.

Eu o guio ao longo do procedimento, passo a passo. Para mim, pelo menos, uma dança coreografada aprendida com anos de experiência médica. Ele é gentil, cavando os tecidos do paciente, mas logo há um assobio de ar, um jorro de sangue e um olhar de realização no rosto do meu colega. São 10h e ele salvou uma vida.

A família do paciente já doou sangue para substituir o que brota da ferida. O sangue entra em um tubo e sai por outro. Quando o paciente é levado para o raio-X, percebo que uma pequena corrente de prata oscila debaixo do relógio. Eu aprendi que esta é a marca da milícia local. Meus colegas provavelmente estavam cientes disso a partir do momento em que o paciente deu entrada. Eles foram imparciais em ação.

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