De refugiado a agente humanitário

Atualmente, Thok Johnson trabalha com MSF na Nigéria, mas ele conheceu, em detalhes, a atuação da organização em outros países, em campos de refugiados

Quando eu tinha nove anos, minha família foi forçada a fugir do Sudão. Era 1996. Ainda me lembro do medo daquela época. Ouvíamos que cada vez mais pessoas no sul estavam sendo perseguidas e sofrendo abusos, até crianças pequenas. Então, quase todos os moradores de nosso vilarejo arrumaram suas coisas e fugiram para a Etiópia. Muitos não conseguiram chegar; morreram de fome ou sede pelo caminho. Tivemos de deixar alguns para trás por terem adoecido e não havia clínica nem médicos pelo caminho.
 
Nossa jornada já durava quatro ou cinco meses até que chegamos ao campo de refugiados na Etiópia. Perdi minha família no caminho. Me senti muito só. Pensei que fosse o único membro de minha família que tinha sobrevivido e chegado ao acampamento, quando, oito meses depois, reencontrei minha mãe. Ela estava com minha irmã e meu irmão mais novo. Fiquei tão feliz! Meu pai, no entanto, não estava com eles. Ficamos três anos sem notícias dele até que soubemos que ele estava vivendo em Bilpam, uma cidade que fica no que hoje é o Sudão do Sul.
 
 
A vida no acampamento
Minha irmã, meu irmão e eu tivemos sarampo no campo de refugiados. Felizmente, havia uma clínica e recebemos tratamento ali. Equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) e da Agência Adventista de Desenvolvimento e Ajuda atuavam no acampamento. E foi, então, que pensei pela primeira vez: “talvez um dia eu possa me tornar um enfermeiro e trabalhar para uma organização humanitária”. Aquele era um sonho que estava, na época, fora de meu alcance. Nossa realidade no acampamento foi marcada pela fome e por doenças.
 
Por outro lado, eu pude frequentar a escola. Tínhamos aulas debaixo de árvores que nos forneciam sombras. Não tínhamos canetas ou livros, mas usávamos giz para escrever em papelão.
 
Apesar da ajuda, a vida no acampamento era muito dura. Muitas pessoas morreram, inclusive alguns de meus familiares. Meu irmão Gatkhor foi um deles. “Será que esse pesadelo vai acabar um dia?”, nos perguntávamos. O clube de futebol era a única coisa que me dava esperanças. Um de nossos professores que organizou tudo. Eu me lembro de usar a camisa de número nove, e de fazer gols em quase todos os jogos, o que me valeu alguma fama no acampamento.
 
Quando eu tinha 14 anos, houve instabilidade política na Etiópia e eu tive de voltar ao Sudão. Passaram-se dois anos até que eu pudesse voltar à Etiópia e terminar meus estudos. Quando passei nos meus exames finais, me senti livre pela primeira vez na vida. E aquele sonho voltou a me ocorrer: me tornar um enfermeiro e ajudar as pessoas em necessidade. Fiz minha inscrição na universidade médica na capital da Etiópia, Adis Abeba, e, após 18 meses de intensos estudos, eu tinha um diploma.
 
Projetos com MSF
Voltei ao Sudão em 2000 para ajudar meu povo. Eles ainda sofriam as consequências de confrontos e deslocamentos. Me candidatei para uma vaga em MSF e fui contratado como enfermeiro. Fui a campo integrar as equipes de diversos projetos, incluindo uma epidemia de cólera em Aboko, e fui também a Leer, atualmente um dos maiores hospitais de MSF no Sudão do Sul. Trabalhei em Leer por três anos. Durante esse período, MSF me deu a oportunidade de treinar e desenvolver minhas habilidades. Aprendi, por exemplo, a tratar crianças com desnutrição.
 
Então, fui convocado para um projeto de MSF no campo de refugiados de Jamam, no norte do país, na fronteira com o Sudão. O trabalho que MSF faz ali é muito importante. Homens, mulheres e crianças que vivem no acampamento foram forçados a deixar suas casas e são completamente dependentes de ajuda humanitária. Eles precisam de alimentos, água e cuidados médicos. Foi muito emocional para mim trabalhar ali. Constantemente, eu me pegava me lembrando da minha infância e de outras crianças, das condições limitadas, da fome e do calor no campo de refugiados.
 
O trabalho hoje

Um dia, enquanto trabalhava em Jamam, recebi um e-mail de MSF me chamando para trabalhar na Nigéria. Era a primeira vez que me ofereciam um cargo de gestão e fora do país. Foi o melhor momento da minha vida: uma demonstração de que estudo e trabalho duro compensam.
 
Tenho muito orgulho de tudo o que alcancei. Eu era um refugiado e agora sou um agente humanitário internacional. Meu trabalho me faz muito feliz.
 

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