Desnutrição atinge novos máximos devido ao choque climático em Madagáscar

Para além dos ciclones, das chuvas intermitentes e dos fracassos persistentes das colheitas, o acesso limitado a cuidados de saúde e a COVID-19 contribuíram também para o atual estado de insegurança alimentar

Madagáscar é um dos países em maior risco dos impactos das alterações climáticas e é atingido frequentemente por eventos climáticos extremos. No início de 2022, a região Sudeste foi assolada consecutivamente por dois ciclones: o Batsirai, a 5 de fevereiro, e o Emnati a 22 do mesmo mês.
© iAko M. Randrianarivelo/Mira Photo

O Sudeste de Madagáscar está a enfrentar uma situação alarmante com o aumento da desnutrição em várias comunidades rurais. As pessoas no distrito de Ikongo debatem-se com uma grave falta de alimentos, após as colheitas terem sido danificadas pelos ciclones no último ano.

Em janeiro de 2023, uma análise da Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar (IPC, na sigla em inglês) revelou que mais de um quarto da população das regiões de Vatovavy-Fitovinany e de Atsimo-Atsinanana se encontra em situação de insegurança alimentar aguda. Em novembro de 2022, através de rastreios nutricionais, a Médicos Sem Fronteiras (MSF) apurou que quase uma em cinco crianças rastreadas estava moderada ou gravemente desnutrida, numa altura difícil em que as comunidades se preparam para a época magra – o período ciclíco de escassez alimentar.

A MSF está atualmente a prestar apoio em 24 instalações de saúde em áreas de difícil acesso, e a fornecer tratamento a pacientes com desnutrição em cinco centros de saúde no distrito de Ikongo. Nesta área, um total de 2 072 crianças com menos de 5 anos estavam a receber tratamento para a desnutrição aguda grave, no início do mês de janeiro – e quase metade ingressou nos programas de nutrição da MSF. A falta de alimentos combinada com o pico da época da malária faz prever que este número aumente nos próximos meses.

 

Uma consulta médica é realizada no centro de saúde de Ifanirea, distrito de Ikongo, Madagáscar.
Uma consulta médica é realizada no centro de saúde de Ifanirea, distrito de Ikongo, Madagáscar. © MSF

Madagáscar é um dos países em maior risco dos impactos das alterações climáticas e é atingido frequentemente por eventos climáticos extremos. No início de 2022, a região Sudeste foi assolada consecutivamente por dois ciclones: o Batsirai, a 5 de fevereiro, e o Emnati a 22 do mesmo mês. Ambos deixaram um rasto de destruição, desenraizando árvores e arruinando colheitas, o que afetou profundamente a produção local agrícola. Nesta região, a maior parte das pessoas vive do cultivo de café, cravinho, baunilha e bananas. Com a maioria dos cultivos destruídos pelos ciclones, perderam não só as suas fontes de comida, mas também de rendimento. Nas regiões de Vatovavy-Fitovinany e de Atsimo-Atsinanana, quase toda a área agrícola foi afetada e mais de metade dos campos de cultivo foram devastados.

“As comunidades nestas áreas já enfrentavam taxas muito altas de desnutrição crónica, e os ciclones empurraram-nas para uma situação aguda”, sublinha o coordenador-geral da MSF em Madagáscar, Brian Willet. “Os choques climáticos repetidos agravam as dificuldades para as comunidades, pois têm de se reconstruir sempre que são atingidas.”

A insegurança alimentar não é uma realidade nova em Madagáscar, mas há vários fatores que agravaram os problemas de saúde das pessoas em maior vulnerabilidade. Para além dos ciclones, das chuvas intermitentes e dos fracassos persistentes das colheitas, o acesso limitado a cuidados de saúde e a COVID-19 contribuíram também para o atual estado de insegurança alimentar.

“Há poucas organizações humanitárias a trabalhar no Sudeste e estamos a planear reforçar as nossas atividades”, avança Brian Willet. “Muitos agregados familiares dizem-nos que, apesar de racionarem cuidadosamente, as provisões de comida estarão completamente esgotadas em fevereiro. Isto é preocupante, já que se espera uma produção agrícola fraca este ano, devido à falta de chuva no início da época. E se outro ciclone atingisse agora a região, transformaria esta situação já muito grave numa catástrofe de significativa escala.”

 

A Médicos Sem Fronteiras desenvolveu atividades em Madagáscar pela primeira vez em 1987 e regressou mais recentemente em 2021, para dar resposta à crise de desnutrição no Sul do país. Atualmente, a MSF presta apoio em 29 instalações de saúde locais no distrito de Ikongo, fornecendo cuidados nutricionais, alimentos terapêuticos e formação a profissionais de saúde para diagnosticar e tratar a desnutrição. As equipas da MSF providenciam também cuidados de saúde primários a comunidades na área litoral de Nosy Varika e infraestruturas de água e saneamento na região de Androy.

 

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