Empresa farmacêutica Novartis tenta enfraquecer leis de patentes da Índia que protege a população

Medida põe em risco o acesso a medicamentos essenciais em países em desenvolvimento

Na terça feira, 6 de setembro, a empresa farmacêutica Novartis participará de uma audiência com a Suprema Corte Indiana em uma última tentativa da multinacional suíça de minar uma salvaguarda de proteção da saúde pública fundamental e prevista na legislação do país. A salvaguarda em questão faz parte da lei de patentes da Índia, e foi elaborada especificamente para prevenir que empresas farmacêuticas obtenham patentes de forma abusiva para medicamentos já conhecidos. Segundo a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), se o pedido da Novartis for aprovado, os efeitos no acesso a medicamentos a preços mais baixos nos países em desenvolvimento seriam devastadores.

“A Novartis está tentando colocar uma camisa de força nos escritórios de patentes da Índia. A empresa quer privá-los da possibilidade de rejeitar patentes de medicamentos antigos com pequenas mudanças que têm um aumento irrelevante em sua eficácia terapêutica”, disse Leena Menghaney, Diretora da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais (CAME) de MSF na Índia. “O sistema que temos hoje com esta salvaguarda não é perfeito, mas pelo menos ele impede que as empresas farmacêuticas recebam o monopólio injusto sobre um medicamento por mais 20 anos cada vez que eles anunciam um novo uso ou uma nova formulação de um medicamento conhecido. A Novartis quer acabar com essa salvaguarda, independente das conseqüências negativas que a mudança teria na saúde pública”.

A empresa está contestando uma parte da lei de patentes da Índia – Seção 3(d) – que, combinada com outros dispositivos legais, diz que uma nova versão de um medicamento já conhecido só poderá ser patenteada se não for óbvia e se for comprovada uma melhora na eficácia terapêutica, quando comparada com a versão original. Em 2005, quando a Índia introduziu o reconhecimento de patentes para medicamentos em sua lei, como parte de suas obrigações como país membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), ela estabeleceu essa seção para tentar balancear os direitos de patentes privados e as necessidades de saúde pública.

Se a Novartis conseguir enfraquecer a interpretação da Seção 3(d), para conseguir o direito de patente sobre um sal específico no medicamento imatinib, utilizado no combate ao câncer, a Índia seria obrigada a dar o direito de patente a mais medicamentos do que dá atualmente, ou mais do que exigem alguns tratados internacionais. Isso pode levar ao fim da concorrência de genéricos de muitos medicamentos, tanto na Índia quanto em outros países em desenvolvimento, o que faria com que o preço desses medicamentos ficasse demasiadamente elevado.

“Como a Índia é o principal país produtor da maioria de medicamentos genéricos de qualidade utilizados em países em desenvolvimento, as conseqüências dessa quebra de garantia se estenderiam muito além das fronteiras indianas”, disse o Dr. Tido von Schoen-Angerer, diretor geral da CAME. “A ameaça aos países mais pobres é muito real. A medida afeta todos os pacientes do mundo, e não apenas pessoas com câncer vivendo na Índia”. 

“Nós já vimos os benefícios práticos da garantia da lei de patentes da Índia para a saúde pública”, disse Leena. “Foi graças à Seção 3(d) que pedidos de patente para formulações de versões pediátricas de medicamentos já existentes ou ainda para combinações em doses fixas de medicamentos antirretrovirais foram negados. Esses são medicamentos que precisam da concorrência com versões genéricas para que possam ter preços acessíveis”.

Mas a Seção 3(d) incomoda as empresas farmacêuticas há muitos anos. Em 2006, quando os escritórios de patentes da Índia decidiram que a Novartis não tinha direito à patente do imatinib mesylate (Gleevec), com a justificativa que o pedido havia sido feito para uma nova versão de um medicamento que já era antigo demais para ser patenteado, de acordo com as leis do país, a empresa iniciou uma série de processos legais para tentar declarar o dispositivo legal inconstitucional. Mas agora, após perder o processo em 2007 e o apelo de patente em 2009, a Novartis está tentando garantir que a expressão “eficácia terapêutica” seja interpretada de maneira menos restritiva no que diz respeito às mudanças em um medicamento antigo – como o imatinib mesylate –, para que as novas versões possam ser patenteadas.

“As decisões dos escritórios de patentes da Índia e das cortes indianas são um assunto de vida ou morte para as pessoas que vivem com HIV/Aids”, disse Loon Gangte, da Rede de Pessoas Soropositivas de Nova Délhi (DNP+). “Nós dependemos da disponibilidade de versões genéricas indianas acessíveis de medicamentos de HIV e outros medicamentos essenciais para viver e para ter saúde”.

Em 2006, Médicos Sem Fronteiras lançou a campanha “Novartis, abandone o caso: pessoas são mais importantes que patentes”, pedindo que a farmacêutica suíça desistisse do processo contra o governo da Índia. Quase 500 mil pessoas assinaram uma petição de MSF, que foi apresentada a Novartis. A empresa não recuou, mas perdeu o caso em 2007, após decisão judicial dos tribunais indianos.

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