Enfermeira gaúcha fala sobre projeto de HIV/Aids

Ana Lúcia Bueno realiza nesta sexta-feira, às 18h, uma palestra no Mercado Público de Porto Alegre

Considerada a mais turística cidade do Camboja, Siem Riep enfrenta um grande problema de prostituição. Estimativas apontam que 3 mil, dos 300 mil habitantes da cidade ao norte do país, trabalham como profissionais do sexo. Deste total, entre 3% e 4% são soropositivos.

Para atender as necessidades deste grupo, Médicos Sem Fronteiras (MSF) montou um programa dentro de seu projeto de HIV/Aids especialmente voltado para essa população. Através de ações preventivas realizadas em bordéis clandestinos e karaokês, uma vez que a prostituição é considerada crime no Camboja, a enfermeira gaúcha Ana Lúcia Bueno, de 27 anos, e sua equipe ensinaram a esses profissionais a importância de se proteger contra as doenças sexualmente transmissíveis. Nesta sexta-feira, a enfermeira fala sobre o projeto em palestra, às 19h, no estande da exposição "Médicos Sem Fronteiras no Mundo", no Mercado Público de Porto Alegre. Abaixo, uma pequena amostra do evento desta noite.

Qual é o diferencial deste projeto para HIV/Aids no Camboja?
Ana Lúcia Bueno – O diferencial deste projeto de HIV/Aids realizado em Siem Reap é que, além de ter comprovado ser possível o tratamento desta doença em um país de poucos recursos, nos preocupamos em atender os grupos de risco, concientizando-os, levando-os para testagem, oferecendo tratamento e serviços de prevenção.

Qual a população incluída no que vocês chamam de grupos de risco?
Ana Lúcia – Antes de mais nada, é importante ressaltar que não atendíamos só os grupos de risco, e sim todos os tipos de pacientes. Apenas nos focamos mais nestes por percebermos que a incidência da doença era preocupante. Quando falamos em grupo de risco estamos nos referindo ao que chamamos de trabalhadores do sexo.

Como vocês tinham acesso a este grupo específico de pacientes?
Ana Lúcia – O sul da Ásia é muito conhecido pelo turismo sexual, sendo assim, cada ONG local mapeou sua área de atuação obtendo o número de bares e karaokês existentes, monitorando-os mensalmente para saber se há novas meninas ainda não abordadas para testagem e tratamento. MSF, através de uma parceria com as ONGs locais, capacitou profissionais e foi até estes lugares realizando serviços de conscientização, prevenção, entregando preservativos, etc.

Qual foi a reação dos grupos de risco ao trabalho preventivo de MSF?
Ana Lúcia – O material antigo, feito somente pelo Ministério da Saúde, tinha uma menor aceitação do que os novos, feitos por MSF em colaboração com as ONGS locais e com o próprio Ministério da Saúde. A princípio havia uma certa hesitação por parte das pessoas, mas com o material novo, que usava uma linguagem mais simples, eles ficaram mais à vontade para fazer perguntas, tirar dúvidas, o que facilitou muito o nosso trabalho de prevenção.

O estigma com relação à HIV/Aids ainda existe?
Ana Lúcia – Olha, por incrível que pareça, o estigma com tuberculose no país é maior do que com HIV/Aids. Conversei com muitos pacientes que falavam abertamente sobre a doença com seus vizinhos, família, etc. Entre os trabalhadores do sexo a estigmatização é bem maior porque a questão afeta o trabalho deles, o negócio. Neste caso, precisamos insistir muito na questão da prevenção.

Como é realizar ações preventivas neste país?
Ana Lúcia – O primeiro caso de HIV/Aids registrado aconteceu em 1993, o que é bem recente. Eles ainda são muito pouco desenvolvidos em termos de tratamento e prevenção. A chegada de MSF ajudou a melhorar esta questão. Outro obstáculo para as ações preventivas é o fato das autoridades locais acharem que a população deveria pagar pelos preservativos. Mas agora até há uma abertura maior às novas propostas. Para a população de risco, a maior dificuldade é a estigmatização e o preconceito, muitos preferem não revelar que estão doentes para não perder clientes.

Como será feito o repasse do projeto para o governo local?
Ana Lúcia – A tentativa é deixar o máximo possível de herança de MSF. Estamos pondo as ONG´s locais em contato com uma outra ONG internacional para torná-los mais fortes e representativos. Juntas, elas serão responsáveis pela continuidade do trabalho de prevenção. Além disso, o Ministério da Saúde já está com alguns dos outros projetos, como diabetes e hipertensão. Na tentativa de manter a qualidade dos serviços oferecidos, MSF está treinando e capacitando as equipes destas ONGs e do próprio Ministério da Saúde.

Quais as maiores heranças que MSF vai deixar no país?
Ana Lúcia – Em termos materiais seria o hospital que construímos em 2008. Antes disso os pacientes, principalmente de tuberculose, ficavam isolados em um hospital que se localizava em uma área muito insalubre, cheia de lama. Mas a maior herança, da qual me orgulho muito, é observar que a capacitação de equipe que fizemos deu resultado. Ao sair de lá, vi que eles realizavam um trabalho em equipe e com qualidade. Há também uma maior aproximação da equipe com os pacientes, o que não ocorria antes.

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