Grécia: “Os refugiados chegam com medo, confusos e em situação de perigo”

Enfermeira de Médicos Sem Fronteiras descreve as frentes de atuação na provisão de cuidados para refugiados

Grécia: “Os refugiados chegam com medo, confusos e em situação de perigo”

Baseada na ilha de Samos, na Grécia, a enfermeira Elspeth Kendal-Carpenter supervisiona a equipe móvel de resgate da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) que atua em campo para prestar assistência rápida aos refugiados que chegam pelo mar.

 

Qual é a situação nas ilhas de Samos e de Agathonisi?

Nós prestamos assistência aos refugiados por meio de avaliações médicas (e encaminhamento), e do fornecimento de informações, alimentos, cobertores, roupas etc. Desde a implementação do acordo entre União Europeia (UE) e Turquia em março, o número de refugiados que chegaram reduziu consideravelmente. Mas, aqueles que conseguiram chegar, em vez de partirem para Atenas para completar a documentação em pouco tempo, mais de mil refugiados continuam em Samos. A maioria está instalada no campo de detenção que foi construído para acomodar apenas 280 pessoas.

As condições de vida se deterioraram e aqueles que estão detidos recebem pouca informação sobre o que irá acontecer ou por quanto tempo serão mantidos ali. O acesso à água limpa e potável muitas vezes é ameaçado, as condições de saúde que anteriormente eram estáveis agora pioraram, e o risco de propagação de doenças infecciosas aumentou. Com o fechamento do centro de detenção, muitas de nossas atividades foram suspensas, mas estamos desenvolvendo um campo de trânsito que nos permitirá apoiar as pessoas mais vulneráveis do lado de fora do local de detenção.

 

O que acontece quando os refugiados chegam?

Nós respondemos a todos os chamados que recebemos nos alertando de sua chegada, principalmente durante a noite, muitas vezes após travessias aterrorizantes pelo mar. Eles estão com frio, medo, inseguros, confusos e em situação de perigo. Temos pouco tempo até que a polícia os transporte para o centro de detenção. Nós oferecemos cobertores, água e biscoitos, e fazemos uma rápida avaliação médica. Isso nos permite detectar potenciais emergências e encaminhá-los imediatamente ao hospital.

Também apoiamos refugiados vulneráveis fora do centro de detenção, como, por exemplo, mulheres em estágio avançado de gravidez, ou famílias com bebês pequenos, que, após 25 dias, embora ainda não tenham permissão para deixar a ilha, têm o direito de viver fora do campo. Nós oferecemos a eles abrigo e cuidados de saúde, além de apoio psicossocial.

 

Que tipo de suporte você oferece àqueles com algum trauma psicológico?

O apoio psicossocial é muito importante. Algumas pessoas testemunharam atrocidades em seus países de origem e tomaram decisões desesperadas de deixar suas casas, seus meios de subsistência, seus entes queridos, para se arriscar em uma jornada rumo ao desconhecido, em uma tentativa desesperada de encontrar segurança para reconstruir suas vidas.

Muitos dos refugiados chegam com uma esperança que logo se transforma em desespero, à medida que as condições se deterioram e outros desafios imprevisíveis podem provocar recaídas de estresse pós-traumático, o que requer apoio e compreensão qualificados.

Nós apoiamos famílias separadas; menores desacompanhados são identificados e encaminhados aos serviços de proteção à criança e, eventualmente, instalados em abrigos separados. E apoiamos também aqueles que perderam membros da família em um naufrágio.

 

Você tem histórias específicas de indivíduos ou pacientes que possa compartilhar?

Eu lembro de um grupo de 53 refugiados na praia. Eles desembarcaram, animados, beijando o chão, tirando fotos conosco, as crianças estavam brincando na água. Um jovem tirou a camisa e veio correndo até mim. “MSF!” disse ele, “veja isso!” Ele me mostrou algumas cicatrizes em seu braço e no ombro: “Dr. John, de MSF, salvou a minha vida na Jordânia. Eu amo MSF”. Foi um momento emocionante, tanto para ele quanto para nós, porque tivemos de avisá-lo que ele seria preso, com a possibilidade de ser enviado de volta à Turquia, sob o novo acordo. Foi no dia em que o acordo entre UE-Turquia foi implementado.

Recentemente, um barco com cerca de 50 refugiados, incluindo 10 crianças com menos de cinco anos, conseguiu desviar dos barcos de patrulha turcos. Eles nos mostraram imagens angustiantes, filmadas em um celular, do barco os perseguindo e fazendo círculos em volta deles na tentativa de criar uma onda para que eles afundassem e fossem forçados a voltar para a Turquia. Eu vi um medo profundo em seus rostos e ouvi os sons de seus gritos de terror.

 

O quão importante é o papel de MSF na provisão de assistência médica a refugiados?

Muitos dos refugiados que conhecemos estão fisicamente saudáveis; é mais a cicatriz emocional que deixa a sua marca.

Algumas pessoas chegam com condições crônicas de saúde, como diabetes ou hipertensão, e podemos monitorar sua condição e fornecer medicamentos de qualidade. Algumas sofreram traumas durante a travessia e nós cuidamos de seus ferimentos, enquanto outras são limitados em sua capacidade física, por problemas de longo prazo, algumas até chegam em cadeiras de rodas. Mas todas são muito gratas a nós, na medida em que as recebemos e perguntamos se elas estão bem. Oferecer cuidados de saúde lhes dá a oportunidade de sentir que alguém se importa. Talvez pela primeira vez em muito tempo, alguém está mostrando um interesse genuíno em seu bem-estar, está tratando-os com dignidade, com gentileza e por um breve período – isso parece “normalizar” uma situação anormal.

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