Insegurança e crise nutricional em Maradi com indicadores de agravamento

O ano de 2021 ficou já marcado por uma muito preocupante crise alimentar e nutricional em Maradi, no Níger, afetando dezenas de milhares de crianças. Os indicadores apontam para um agravamento iminente, prevendo-se a maior crise em uma década. A distribuição atempada de ajuda alimentar é crucial

© Sarah Pierre/MSF, 2017

A Médicos Sem Fronteiras (MSF) está a trabalhar, em apoio ao Ministério da Saúde do Níger, para providenciar serviços médico-humanitários na região de Maradi, mais especificamente no distrito de Madarounfa, na fronteira com o estado de Katsina, na Nigéria. O ano passado ficou marcado por um fluxo particularmente elevado de crianças em estado de desnutrição nas estruturas de saúde apoiadas por este projeto, e há vários indicadores que apontam para uma grande crise alimentar e nutricional em 2022. A diretora de operações da MSF Isabelle Defourny, recentemente regressada do Níger, explica o que se passa na região e quais são as prioridades das equipas no terreno.

 

No que se refere a nutrição e segurança alimentar, o que se espera em Maradi em 2022?

O nosso programa na região de Maradi já teve uma abordagem de emergência no ano passado para reforçar a capacidade, de forma a conseguirmos tratar 30 mil crianças hospitalizadas – mais de 12 mil delas sofrendo de desnutrição aguda grave e com complicações médicas – e para providenciar cuidados ambulatórios a 35 mil crianças gravemente desnutridas. Há vários indicadores agora que sugerem que a situação será ainda mais crítica durante o período anual de fome que normalmente se inicia por volta de junho.

De acordo com dados do Governo, as colheitas em todo o país estão reduzidas em 39 por cento em comparação com a média dos cinco anos antes. Este défice deve-se principalmente à seca que se registou em 2021, que, segundo os peritos, é comparável às secas de 2004 e de 2011. Naqueles anos ocorreram secas particularmente graves que resultaram em grandes crises nutricionais. E a insegurança está a agravar ainda mais a situação em algumas áreas do país, porque é muito difícil as pessoas conseguirem deslocar-se para irem trabalhar nas suas terras de cultivo. Estas questões, às quais acrescem os danos colaterais infligidos na economia pela pandemia de COVID-19, conduziram a um aumento acentuado nos preços dos alimentos. Por exemplo, o milho-painço, o sorgo e o milho custam entre 25 e 31 por cento mais do que nos períodos homólogos dos últimos cinco anos.

Maradi enfrenta esta mesma situação, com preços elevados e a segurança em deterioração em aldeias ao longo da fronteira com a Nigéria. Roubos, raptos e outros abusos físicos cometidos contra a população são cada vez mais frequentes no distrito de Madarounfa, e o ataque aéreo ocorrido a 18 de fevereiro passado na aldeia de Nachambé – em que pelo menos quatro crianças foram mortas – assinala uma ainda maior escalada na violência. A insegurança e a situação nutricional são igualmente terríveis do outro lado da fronteira, no estado de Katsina, na Nigéria, onde lançámos uma ação de emergência em julho passado. Muitas mais famílias nigerianas irão atravessar a fronteira para o Níger para obterem tratamento para os seus filhos desnutridos.

De acordo com as previsões da Rede de Segurança Alimentar e Informação para a Acção [IPC, na sigla em inglês], em junho de 2022 pelo menos 3,6 milhões de pessoas no Níger poderão estar em situação de crise alimentar [fase 3 ou superior da classificação da IPC] – isto são 15 por cento da população – e quase 1,3 milhão de crianças estarão a sofrer com desnutrição aguda.

 

O que está a ser feito para preparar a resposta a esta crise iminente?

O financiamento alocado à prevenção e tratamento da desnutrição aguda teve uma queda muito acentuada nos anos recentes. Todos concordam que a situação é grave mas continuamos sem saber que recursos vão ser disponibilizados para a resolver. O Governo do Níger partilhou recentemente um plano de resposta para providenciar assistência às pessoas vulneráveis e várias agências das Nações Unidas como a UNICEF e o Programa Alimentar Mundial estão a alertar para a escala da iminente crise alimentar e nutricional no Sahel e, mais particularmente, no Níger.

É preciso também ter em conta que podem demorar vários meses para os produtos alimentares e alimentos terapêuticos serem encomendados e fornecidos. Mas, de junho em diante, números muito significativos de crianças vão estar já a chegar às unidades de nutrição. O financiamento destes planos e destas organizações vai, pelo menos parcialmente, permitir uma distribuição atempada de ajuda alimentar adequada.

Apesar de ser compreensível que o enfoque seja dado às difíceis condições para as populações que se encontram em zonas de conflito em Tillabéry e Diffa, a resposta humanitária não pode ignorar outras regiões como Maradi e Zinder. Estas regiões densamente povoadas podem ser consideradas mais estáveis, mas são os locais com mais intensa desnutrição aguda, em volume, no país.

 

Quais são as prioridades para os próximos meses?

As nossas equipas estão de novo a preparar-se para tratar crianças num número excecionalmente alto nos centros de saúde e hospitais onde prestamos assistência. Este ano de 2022 queremos expandir a nossa resposta para incluir todas as crianças em estado de desnutrição aguda em vez de apenas os casos mais graves, e também ampliar a prevenção e tratamento da malária. Temos igualmente de continuar a monitorizar de perto a situação e a forma como está a ser abordada para garantirmos que, durante a crise iminente, a população recebe assistência porporcional às suas necessidades por parte das diversas entidades.

Ao longo dos últimos cerca de 20 anos, foram feitos avanços enormes para reduzir a mortalidade infantil e diminuir a desnutrição aguda no Níger. Mas devemos contentar-nos, ano após ano, em hospitalizar dezenas de milhares de crianças desnutridas criticamente doentes? Devemos preocupar-nos apenas com dar ajuda às famílias para salvar crianças como estas quando elas se encontram já nas fases de desnutrição mais graves e com risco de vida? A resposta tem de ser um muito claro não. Esforços sustentados muito além das capacidades da MSF continuam a ser necessários para pôr em marcha campanhas de prevenção mais eficazes e para aumentar de forma maciça o acesso a suplementos alimentares complementares e a cuidados pediátricos.

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