Johnson & Johnson reduz preço de medicamento contra tuberculose, mas governos precisam ampliar o acesso ao melhor tratamento

Apesar da redução, o preço da bedaquilina permanece fora de alcance para vários países

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Johnson & Johnson reduz preço de medicamento contra tuberculose, mas governos precisam ampliar o acesso ao melhor tratamento

A empresa farmacêutica Johnson & Johnson (J&J) anunciou nesta segunda-feira (06) o preço reduzido de US$ 1,50 (cerca de R$ 8) por dia para a bedaquilina, medicamento usado para o tratamento da tuberculose, para um rol de 135 países com renda média e baixa. O valor representa uma redução de 32% sobre o preço anterior de US$ 400 (cerca de R$ 2,1 mil) para o tratamento de seis meses. A organização internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) afirmou que esse foi um passo importante que deve permitir que mais pessoas com formas resistentes da tuberculose (TB-DR) possam ter acesso ao medicamento. No entanto, MSF defendeu que o preço ainda poderia cair mais e ser estendido a mais países.

A organização vem pressionando a J&J para a redução do preço do medicamento desde que o produto chegou ao mercado em 2012 e lançou uma campanha global, ao lado de pessoas com tuberculose e a sociedade civil, no ano passado, pedindo à companhia que reduzisse, em mais da metade, o preço cobrado pelo medicamento em países de baixa e média renda, para ao menos US $ 1 por dia (ou R$ 5,35 por dia). Ao todo, 120.707 pessoas assinaram petições pedindo à J&J que reduzisse o preço.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso oral da bedaquilina como a base do tratamento contra TB-DR, para substituir medicamentos mais antigos, mais tóxicos e que requerem doses injetáveis diariamente que podem causar efeitos colaterais graves, tais como a surdez. Diante da pandemia de COVID-19, a OMS também aconselhou os países a tratar pessoas com TB-DR na segurança de suas casas, usando tratamentos orais, incluindo bedaquilina, no lugar de injeções, que obrigam as pessoas a se deslocarem até as clínicas. O tratamento mais antigo e mais longo com DR-TB, usado por muitos países até agora, exige que as pessoas tomem até 14 mil comprimidos ao longo de quase dois anos, junto com injeções dolorosas diárias por até oito meses.

“À medida que o mundo se recupera da pandemia de COVID-19, o acesso ao tratamento com bedaquilina é uma necessidade nesse momento para pessoas com TB-DR”, disse a médica Pilar Ustero, conselheira para tratamento de tuberculose da Campanha de Acesso de MSF. “Não apenas os medicamentos mais antigos que precisam ser injetados são dolorosos e podem causar efeitos colaterais graves, como também exigem que as pessoas se desloquem para instalações de saúde todos os dias, colocando-as em maior risco de infecção por COVID-19. Com um preço reduzido, os governos devem aumentar urgentemente o uso da bedaquilina como parte essencial dos tratamentos orais de TB-DR. Não vamos perder um minuto para por fim ao sofrimento das pessoas com TB-DR.”

O preço da bedaquilina cobrado pela J&J permaneceu como uma grande barreira para os países que vem ampliando esse tratamento capaz de salvar vidas, especialmente ao considerar que a bedaquilina é apenas um dos muitos medicamentos necessários para o tratamento de pessoas com TB-DR. MSF argumenta que a farmacêutica recebeu financiamentos substanciais por parte de contribuintes dos Estados Unidos (EUA) e de outros países, além de organizações não-governamentais, para realizar a pesquisa e o desenvolvimento do medicamento. MSF e outras instituições pediram que a companhia reduzisse o preço e aumentasse o acesso das pessoas ao tratamento. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Liverpool mostrou que a bedaquilina poderia ser produzida e vendida com lucro por apenas US$ 0,25 por dia (cerca de R$ 1,35).

“A J&J não desenvolveu esse medicamento sozinha”, disse Sharonann Lynch, consultora sênior para o tratamento de HIV e TB da Campanha de Acesso de MSF. “A bedaquilina foi desenvolvida com apoio considerável de contribuintes, com apoio de instituições sem fins lucrativos e filantrópicas. A J&J recebeu investimentos públicos da ordem de centenas de milhões de dólares, incluindo doações do governo dos EUA e vários outros incentivos financeiros, além de prestadores de serviços de saúde como MSF que contribuíram para a pesquisa e desenvolvimento do medicamento. A J&J não deveria cobrar preços altos por ele em lugar algum.”

O preço anunciado hoje é 32% menor que o preço que já era oferecido a um valor mais baixo para uma lista de países indicada pela J&J e vinculado a compromissos de compra feito por meio do Global Drug Facility (GDF), uma organização administrada pela Stop TB Partnership que fornece medicamentos para tratamento de pessoas com tuberculose nos países de baixa e média renda. Os que não compram da GDF não são elegíveis ao preço mais baixo e continuam pagando valores mais altos cobrados pela J&J ou pelo seu parceiro comercial russo Pharmstandard, que destina o produto para um número de países da Comunidade de Estados Independentes. Um exemplo é o caso da Federação Russa, que paga mais de US$ 8 (ou cerca de R$ 43) por dia pela bedaquilina, preço que é significativamente mais alto do que está disponível agora para os países elegíveis ao preço reduzido de US$ 1,50 por dia (o equivalente a R$ 8).

MSF pediu à J&J que reduzisse ainda mais o preço e oferecesse o medicamento a um valor mais baixo a todos os países que possuem número elevado de pessoas com TB-DR, para que mais vidas possam ser salvas.

Atualmente, a J&J é o único fabricante de bedaquilina e patenteou o medicamento na maioria dos países, controlando o preço pelo qual é vendido. O monopólio da J&J impede que outros fabricantes na Índia e em outros lugares produzam e forneçam versões genéricas mais acessíveis. Embora a patente da empresa sobre o composto bedaquilina expire em 2023, a substância está registrada como uma patente evergreening, o que possibilita registrar patentes adicionais estendendo, assim, o monopólio do medicamento para 2027 em muitos países afetados pela tuberculose. Os fabricantes de genéricos dizem que são capazes de produzir versões mais acessíveis a partir de 2021, mas estão impedidos de entrar no mercado pelos direitos de propriedade industrial da J&J. MSF pede à farmacêutica que não imponha patentes à bedaquilina e que interrompa as estratégias para prolongar o monopólio sobre o medicamento por meio de extensões desses direitos de exclusividade, que atrasariam ainda mais a disponibilidade de versões genéricas do medicamento com garantia de qualidade.

“Protestamos do lado de fora da sede global da J&J e de seus escritórios em todo o mundo, ao lado de pessoas que sobreviveram à tuberculose e ao tratamento doloroso e árduo, instando a corporação a reduzir o preço desse medicamento que salva vidas”, disse Lara Dovifat, especialista da Campanha de Acesso e Advocacy de MSF. “Enquanto esperamos ansiosamente que versões genéricas mais acessíveis da bedaquilina sejam disponibilizadas, queremos instar os governos a garantir que as pessoas com TB-DR obtenham o melhor tratamento possível hoje, e a redução de preços atual é uma etapa útil.”

Bedaquilina não é oferecida pelo SUS

No Brasil, a bedaquilina ainda não é oferecida no sistema público de saúde (SUS), apesar de o país ser o campeão de casos de tuberculose entre os países americanos e o segundo mais afetado pela forma resistente doença em todo continente. A bedaquilina ainda está em processo para ser incorporada ao sistema de saúde brasileiro pelo governo, após atrasos no cronograma.
De acordo com o documento apresentado pelo órgão responsável pela incorporação do medicamento no SUS, o preço proposto para a compra da bedaquilina pelo governo brasileiro é de US$ 400 (equivalente a R$ 2,1 mil), relativo ao tratamento por seis meses por pessoa, o que dá US$ 2,10 (R$ 11,25) por comprimido. Em outubro de 2019, MSF e outros 100 manifestantes se reuniram em frente à sede da J&J no Brasil pedindo o preço de US$ 1 por comprimido, para que a oferta do medicamento seja viável no país por meio do SUS.

A quantidade de pessoas afetadas pela forma resistente da tuberculose no Brasil ainda é incerta e há informações de subnotificação dos casos. Além disso, a pandemia de COVID-19 tem afetado estratégias importantes de combate à tuberculose como o tratamento supervisionado e diagnóstico precoce, conforme estudo realizado por organizações da sociedade civil, o que aumenta a probabilidade de crescimento do número de casos da forma resistente da doença e que pode gerar uma maior demanda pela bedaquilina no país.

Em maio deste ano, organizações da sociedade civil ligadas ao Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual (GTPI), organizado no Brasil, apresentaram um documento de oposição a um pedido de patente para a bedaquilina. O objetivo da ação é impedir o aumento do prazo de monopólio da empresa J&J, que, mesmo já possuindo uma patente aprovada no país, fez sete pedidos adicionais para estender a exclusividade de mercado até 2036.

Há 30 anos tratando tuberculose

MSF é a organização não-governamental que mais trata pessoas com tuberculose no mundo e oferece o tratamento para a doença há 30 anos, trabalhando frequentemente com autoridades nacionais de saúde para tratar pessoas em ampla variedade de contextos, incluindo zonas de conflito permanente, favelas, prisões, campos de refugiados e áreas remotas. Em setembro de 2019, em projetos de MSF em 14 países, mais de 2 mil pessoas tiveram acesso ao tratamento com os medicamentos mais novos: 429 delas fizeram uso de delamanid (o único outro novo medicamento para tuberculose desenvolvido há mais de 40 anos) e 1.517 utilizaram bedaquilina. No total, 429 fizeram uso de ambos. Globalmente, estima-se que 484 mil pessoas tenham desenvolvido a forma resistente da tuberculose (DR-TB) em 2018, mas apenas 32% foram tratadas.

 

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