Jordânia: sírio ferido na guerra descreve atendimento de MSF

Paciente foi atendido pela organização na clínica de Zaatari, cujas atividades foram encerradas por causa do fechamento das fronteiras

Jordânia: sírio ferido na guerra descreve atendimento de MSF

Walid Shbat, 30 anos, perdeu a perna depois de ser ferido por um barril de bombas em Daar’a, no sul da Síria. O tratamento que recebeu na vizinha Jordânia fez com que ele recuperasse sua saúde e o sentimento de otimismo.

“O dia 3 de dezembro de 2015 ficará gravado na minha memória para sempre. Foi o dia em que eu sofri um ferimento grave que fraturou o osso da minha coxa e levou a minha perna a ser amputada.

Naquela quinta-feira, soube que meu irmão mais novo tinha sido gravemente ferido por um projétil, então corri até o hospital de campanha para o qual ele foi levado. Dez minutos depois de eu chegar, meu irmão foi levado a um veículo para ser transferido para a Jordânia, já que seus ferimentos eram complexos e as especialidades médicas disponíveis na nossa região eram limitadas.

Enquanto eu estava parado ao lado do veículo, um helicóptero pairava no céu acima de mim. Momentos depois, bombas de barril carregadas de ódio começaram a cair no chão. O ar ficou cheio de estilhaços, e um deles atingiu a minha perna e se alojou nela, fraturando meu fêmur direito.

Os médicos do hospital de campanha estavam incapacitados de tratar meu ferimento, então fui transferido a outro hospital de campanha próximo dali. Fiquei lá a noite toda, acompanhado de uma dor torturante. Os analgésicos não acalmavam a dor, que se estendeu a todas as partes do meu corpo.

No dia seguinte, um médico residente decidiu me transferir para a Jordânia, já que as equipes médicas presentes na Síria estavam incapacitadas de me tratar em meio à guerra violenta e indiscriminada.

Uma hora depois, cheguei à fronteira com a Jordânia, de onde uma ambulância me transportou até o hospital de Ramtha. No centro cirúrgico, a equipe médica tentou salvar a minha perna sem medir esforços, mas ao fim não conseguiu fazê-lo. No segundo dia, tentaram novamente, mas o resultado foi o mesmo. Então, sem mais esperanças, decidiram que minha perna deveria ser amputada.

Depois da cirurgia, permaneci no hospital por três meses, já que a minha condição exigia acompanhamento, minhas feridas precisavam ser higienizadas e minhas roupas frequentemente trocadas. Posteriormente, fui transferido para a clínica de MSF no campo de Zaatari.

Notei uma grande mudança – uma transição tanto no meu estado psicológico como na minha condição física – quando estava em Zaatari. Encontrei a atmosfera familiar que eu tanto almejava. Em Zaatari, eu tinha minha privacidade e minha liberdade, e me reencontrei com meu irmão e com novos amigos que eu tinha feito no período em que fiquei em Ramtha.

A clínica e a equipe de saúde tiveram um papel fundamental nas melhorias que senti. Havia muitas atividades na clínica que acalmavam meu sentimento de exílio, assim como a crueldade e a gravidade da minha lesão.

Os dias passavam rapidamente para mim e eram cheios de atividades: fazia novos amigos, pesquisava na internet, me comunicava com minha família e meus amigos na amada Síria, visitava parentes e amigos que estavam morando no campo de Zaatari, fazia compras básicas.

Logo chegou o dia em que eu completei meu tratamento médico e recebi minha prótese. Era minha hora de voltar para casa.

Apesar de tudo o que aconteceu – o frio, o ferimento brutal e a perda da minha perna – meu tempo na clínica de Zaatari teve um grande impacto em minha vida. Esse período me mostrou como cuidados médicos podem ser bons e me proporcionou apoio psicológico, o que levantou meu ânimo. Todos os profissionais me tratavam com muito respeito, e não estou exagerando quando digo que o lugar e aquelas pessoas são maravilhosos.

Eu me considero com mais sorte que muitos outros sírios que sofreram ferimentos graves e não conseguiram chegar à Jordânia para receber tratamento. Na Síria, na atual situação, é impossível ter acesso ao tipo de tratamento médico disponível na Jordânia – especialmente com tantos bombardeios brutais e sistemáticos a hospitais e com a escassez de médicos especialistas no país.

Agora estou vivendo novamente em meu país, procurando emprego e me adaptando à minha nova condição. Apesar de ser muito difícil, a vida continua.

Por fim, agradeço à Jordânia e à clínica de Zaatari. Vocês me deixaram uma marca que vou carregar por muitos anos.”

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