Líbano: falta de saneamento adequado e água potável são barreiras para conter surto de cólera

Para conter a propagação da doença, a MSF está a vacinar pessoas contra a cólera no Norte e Nordeste do país, em zonas mais pobres e sobrepovoadas, onde se reúnem condições ideais para a propagação da doença

Para conter a propagação do surto de cólera, a MSF está a vacinar pessoas contra a doença no Norte e Nordeste do Líbano
© MSF/Mohamad Cheblak

O primeiro surto de cólera em quase três décadas no Líbano surge numa altura em que o país enfrenta uma grande crise económica e energética, que tem limitado ainda mais o acesso a água potável e a manutenção das infraestruturas de saneamento. Muitas vezes, a água não chega às torneiras das casas, pois as bombas de água não têm energia para funcionar. As redes de saneamento, obsoletas e inadequadas, não têm manutenção regular e a água do sistema acaba muitas vezes na rua, ou nas casas das pessoas. Tudo isto somado, cria-se um ambiente perfeito para a propagação maciça da cólera.

As pessoas ficaram sem opções e muitas passaram a depender do abastecimento de água não controlada através de camiões cisterna. Contudo, as que nem isso conseguem pagar, em zonas mais pobres e sobrelotadas, têm de utilizar a água dos rios e lagos poluídos para satisfazer as necessidades existentes. Ao mesmo tempo, a escassez de provisões médicas e a crescente dificuldade em obter diagnósticos estão a dificultar o acesso das pessoas a cuidados hospitalares.

Face a isto, a Médicos Sem Fronteiras (MSF) tem reforçado as atividades médicas e humanitárias no Líbano para ajudar a controlar o surto e a tratar pacientes.

“A experiência de 50 anos de trabalho da MSF em países que enfrentam crises de emergência médica – surtos de cólera, por exemplo – permite-nos agir rapidamente e pôr em marcha uma estratégia abrangente para reforçar a prestação de apoio às autoridades nacionais de saúde e às pessoas no Líbano, no combate à cólera”, sublinha a coordenadora médica da MSF no Líbano, Caline Rehayem. “Sabemos que a cólera não é difícil de controlar, desde que sejam concretizadas as estratégias necessárias, da prevenção ao tratamento”, acrescenta.

Desde que o surto foi declarado a 6 de outubro, 19 pessoas morreram e o número de casos suspeitos e confirmados subiu para 3 671.

Responder ao surto: tratamento de pacientes e vacinação

Em Bar Elias, uma vila no Vale de Bekaa, a MSF adaptou uma unidade hospitalar para receber e tratar pacientes com cólera, com uma capacidade de 20 camas, que pode aumentar se as necessidades crescerem. Desde que esta unidade ficou concluída, a 31 de outubro, a MSF já recebeu 33 pacientes para tratamento. Além disso, esta unidade especializada garante que outros serviços cruciais do hospital, principalmente as cirurgias essenciais e o tratamento de feridas, possam continuar sem ser afetados. A MSF está também a preparar um hospital de campanha com capacidade de 20 camas em Arsal, uma zona no Nordeste do Líbano, onde o hospital público mais próximo fica a 40 quilómetros de distância.

Para conter a propagação da doença, a MSF está ainda a vacinar pessoas contra a cólera no Norte e Nordeste do país, em Arsal, Trípoli, Akkar e Baalback-Hermel – uma atividade integrada na campanha de vacinação nacional lançada pelas autoridades de saúde do Líbano. A MSF está a dar prioridade às áreas mais pobres e sobrepovoadas, onde se reúnem frequentemente as condições ideiais para a propagação de doenças como a cólera, colocando as comunidades locais em risco acrescido. Numa semana, as equipas da organização médico-humanitária vacinaram 14 224 pessoas e o objetivo global é vacinar 150 000 na totalidade.

Estas atividades de vacinação decorrem em colaboração com o Ministério de Saúde Pública e outras organizações locais e internacionais, para agilizar a inoculação das 600 000 vacinas contra a cólera recebidas pelo Líbano para enfrentar o surto no país.

Formação, consciencialização e sensibilização da comunidade

Antes deste surto, era necessário recuar até ao ano de 1993 para encontrar o último caso de cólera registado no Líbano. Por isso, para contê-lo agora, é fulcrar sensibilizar e consciencializar as pessoas sobre os modos de propagação e tratamento da doença. As equipas da MSF têm visitado várias casas, lojas e campos na região do Vale de Bekaa para fornecer informação às pessoas sobre a prevenção da doença.

Providenciámos igualmente formação a profissionais de saúde, inclusive profissionais de saúde comunitária, entre outros, para prestar apoio ao sistema de saúde e às comunidades nesta altura”, explica Caline Rehayem.

Mais concretamente, até agora, foram providenciadas 17 formações a 148 profissionais médicos e paramédicos.

Medidas de prevenção e tratamento de pacientes são essenciais, mas não são suficientes

O reforço das medidas de prevenção, a vacinação e o tratamento de pacientes são elementos críticos para responder a qualquer surto de cólera. Porém, a cólera, assim como outras doenças transmissíveis pela água, pode sempre reaparecer e propagar-se se nada for feito para garantir acesso adequado a água potável e a serviços de saneamento.

“É um facto científico. A cólera é causada pela ingestão de uma bactéria de origem fecal – vibrio cholerae – encontrada em águas sujas ou paradas, e para ser devidamente contida, a raiz do problema tem de ser resolvida”, frisa o coordenador-geral do projeto da MSF no Líbano, Marcelo Fernandez. “Caso contrário, a atual situação precária da infraestrutura no Líbano continuará a expor a população a doenças altamente contagiosas, como a cólera.”

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