México: militarização de fronteiras e expulsões em massa colocam migrantes e solicitante de asilo em risco

Sem abrigo, proteção ou assistência humanitária adequada, as pessoas que são forçadas a fugir estão mais vulneráveis ao crime organizado e à COVID-19

Migrantes na cidade de Coatzacoalcos

Os acordos anunciados na semana passada entre Estados Unidos, México, Honduras e Guatemala para reforçar a militarização das fronteiras vão criminalizar ainda mais as pessoas em movimento, afirma a organização médica internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF). Como consequência, migrantes estarão mais expostos ao crime organizado e à COVID-19. MSF testemunhou ataques sucessivos e detenções arbitrárias na fronteira sul do México, além de ver solicitantes de asilo serem forçados a voltar ao México pelos EUA sob a ordem conhecida como “Título 42”. A medida foi mal utilizada para autorizar expulsões em massa ostensivamente por razões de saúde pública relacionadas à pandemia de COVID-19 e efetivamente bloqueia o direito de solicitação de asilo nos EUA.

“Mais uma vez, estamos vendo a construção de muros físicos, burocráticos e de segurança para impedir o asilo e bloquear a livre circulação de pessoas que fogem da violência em seus países de origem”, disse Antonino Caradonna, coordenador do projeto sobre migração de MSF no país. “Isso é evidente tanto na fronteira norte quanto na fronteira sul do México. Enquanto os Estados Unidos massivamente bloqueiam e expulsam os recém-chegados, o México os reprime e os detém em massa”.
 
Equipes de MSF na fronteira sul do México denunciaram repetidamente ataques em massa e prisões arbitrárias em áreas com alta concentração de migrantes e solicitantes de asilo, incluindo locais próximos aos postos de saúde da organização. Vários incidentes ocorreram em Coatzacoalcos, no estado de Veracruz, no sul, um pólo ferroviário muito utilizado por pessoas em movimento.

“Na verdade, na semana passada, as incursões foram realizadas em Coatzacoalcos, nos trilhos da ferrovia, e cerca de 50 migrantes, incluindo famílias com crianças, foram detidos arbitrariamente”, disse Caradonna. “Eles estavam dormindo perto do abrigo porque tiveram sua acomodação negada, supostamente por causa da pandemia”. Muitos abrigos no México fecharam ou reduziram sua capacidade.

A ação policial perto de abrigos ou locais onde os migrantes recebem assistência médica e humanitária “leva as pessoas em trânsito a se esconderem mais, a optar por rotas mais perigosas, a ficarem mais vulneráveis ao crime organizado e à extorsão”, disse Caradonna. “Temos que denunciar a extrema falta de proteção para essas pessoas”.

Os depoimentos coletados por MSF na região confirmam o aumento de invasões e prisões na fronteira sul do México, que colocam em risco a saúde física e mental de solicitantes de asilo e migrantes.

“Cerca de 400 pessoas passaram pelas montanhas, mas na incursão prenderam cerca de 200. Metade eram mulheres e a outra metade homens”, explica Levi, de Honduras. “Agora pouquíssimas mulheres chegam aqui. Elas são as que mais são capturadas, porque [viajam] com crianças e são as que menos conseguem correr”. Levi também descreveu a falta de abrigo adequado: “Ficamos nas colinas e nas estradas porque não encontramos abrigos ou casas para migrantes”.

“Já se passaram 20 dias desde que entrei no México”, disse Kimberly, uma hondurenha de 29 anos que está viajando com seu filho de 11 anos, um irmão e os filhos dele. “Nós dormimos nos campos. Suportamos fome e noites sem dormir porque não temos dinheiro. No abrigo em Coatzacoalcos, nos disseram que estava fechado. Eles nos deram comida e café, mas não era mais possível dormir do lado de dentro.”
 
Kimberly trabalhava no campo, mas perdeu tudo depois dos recentes furacões que atingiram Honduras. “Tenho medo de ficar na rua porque tudo pode acontecer conosco”, disse ela. “Tenho medo de que meu filho seja tirado de mim. Eu não tenho conseguido dormir. Eu não durmo porque enquanto meu filho descansa, eu fico de vigia”.

Outros disseram que receberam ajuda de residentes locais. “Não existem abrigos, apenas pessoas gentis que nos abrigam, sem nenhum problema, em suas casas. E você aprecia isso porque não precisa mais correr o risco de dormir nas montanhas”, disse Roger, um hondurenho de 39 anos.

Ao longo da fronteira norte do México, equipes de MSF estão testemunhando o aumento das expulsões em massa dos Estados Unidos de solicitantes de asilo e migrantes sob a ordem “Título 42”. Esses indivíduos são devolvidos ao México sem o devido processo para cidades desconhecidas e frequentemente perigosas ao longo da fronteira norte. Em Reynosa, Nuevo Laredo e Ciudad Juárez, equipes de MSF forneceram assistência médica a centenas de famílias deportadas, agora perdidas, aguardando proteção.

“Nossas equipes relatam o tratamento desumano que os migrantes recebem em centros de detenção nos Estados Unidos, o impacto que isso causa em sua saúde e o estresse agudo que eles carregam”, disse Geaninna Ramos, consultora médica de MSF. “Eles estão sendo deportados para cidades fronteiriças no México, sem nenhuma informação sobre onde estão e o que farão a seguir. Existem muitas mulheres com filhos nos braços, que não comeram ou receberam tratamento digno durante a detenção e sem medidas de prevenção contra a COVID-19 em vigor. Tratamos uma menina de 4 anos que chegou a Ciudad Juárez desidratada, porque ela nem recebia água nas celas [de detenção] nos Estados Unidos”.

“Eu havia entrado pela fronteira de Reynosa e eles me mandaram de volta para Nuevo Laredo”, disse María, uma guatemalteca de 33 anos que viajava com sua filha de 4 anos. “Eu não tinha como me comunicar com ninguém.”

Ela foi separada do marido e do filho, que estão juntos em um abrigo em Monterrey. “Os oficiais da imigração te tratam mal”, disse ela. “Você faz uma pergunta e eles gritam com você, eles te empurram. Para revistar os menores, eles colocaram todos contra o ônibus com as mãos para cima e os empurraram. Eu pensei no meu filho. Não queria pensar que meu filho seria espancado, porque vi como eles os empurraram para revistá-los. Eles nos tratam mal. Estamos fugindo e não temos intenção de fazer mal a ninguém, mas acho que nem todos entendem isso.”

A falta de proteção para solicitantes de asilo e migrantes, a falta de assistência humanitária adequada, a falta de inclusão nos esforços de prevenção da COVID-19, a criminalização de pessoas forçadas a fugir, sua vulnerabilidade a gangues criminosas que se envolvem em sequestro, extorsão e tráfico não são problemas novos.

“Já vimos essas políticas de migração prejudiciais no passado”, disse Caradonna. “Sabemos que elas não desencorajam os migrantes, apenas os levam a se esconderem e percorrerem estradas mais perigosas, onde podem ficar mais expostos ao crime organizado, recorrer aos traficantes de seres humanos e arriscar suas vidas”.

Conforme declarado no início deste mês por um porta-voz da administração dos Estados Unidos, o aumento da presença de segurança na região tem o objetivo de impedir a migração: “O objetivo é dificultar a realização da viagem e tornar mais difícil a travessia das fronteiras”.

“Precisamos ser claros e examinar profundamente essas políticas”, disse Caradonna. “Tornar a viagem mais difícil para os migrantes significa torná-la mais letal”.

MSF mais uma vez pede aos Estados Unidos, ao México e a outros governos da região que ponham fim às políticas de migração repressivas. Aos migrantes e solicitantes de asilo deve ser garantida proteção e assistência humanitária adequada de acordo com as leis e normas nacionais e internacionais. No contexto da pandemia de COVID-19, esforços devem ser feitos para proteger os migrantes do vírus através da provisão de abrigos e espaços seguros suficientes.

 

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