Migração: MSF adverte UE sobre abordagem desumana

A organização está profundamente preocupada com o destino das pessoas detidas ou enviadas de volta à Líbia, sobretudo com o planejado fechamento da rota migratória entre o país e a Itália

Migração: MSF adverte UE sobre abordagem desumana

Na véspera da reunião de líderes da União Europeia (UE) sobre migração em Malta, nesta sexta-feira, 3 de fevereiro, e diante do plano de fechar a rota migratória entre a Líbia e a Itália por meio da ampliação da cooperação com as autoridades líbias, a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) manifestou profunda preocupação acerca do destino das pessoas retidas na Líbia e as que foram enviadas de volta ao país. MSF tem oferecido cuidados médicos a migrantes, refugiados e solicitantes de asilo detidos em Trípoli e em seu entorno desde julho de 2016 e afirma que as pessoas estão sendo detidas arbitrariamente em condições desumanas e insalubres, frequentemente sem acesso a cuidados médicos, e sem comida e água limpa suficientes. “A UE e seus Estados-membros precisam de um choque de realidade. A Líbia não é um lugar seguro. De modo algum isso pode ser considerado uma abordagem humana de gerenciamento da migração”, disse Arjan Hehenkamp, diretor-geral de MSF na Holanda, que voltou de Trípoli ontem após visitar migrantes, refugiados e solicitantes de asilo detidos na capital líbia. Abaixo, o depoimento de Hehenkamp na íntegra:

“Atualmente, há um colapso na ordem pública na Líbia. Africanos subsaarianos estão sendo detidos sem que exista um processo legal e sem a opção de questionar a legalidade de suas detenções. Os detentos estão desesperados para comunicar às suas famílias que estão vivos, eles estão praticamente isolados do mundo exterior. Aqueles com quem falei não sabem o que acontecerá a eles mesmos depois de estarem há meses detidos. Estamos atuando em sete centros de detenção em Trípoli e redondezas, mas mesmo os melhores locais onde trabalhamos não seguem os padrões nacionais, regionais ou internacionais. As pessoas estão detidas em condições desumanas. Há pouca entrada de luz natural e ventilação e muitas instalações estão perigosamente superlotadas. A falta de dignidade humana é impressionante. Médicos de MSF estão tratando cerca de 500 pessoas por semana com infecções respiratórias, diarreia aquosa aguda, doenças de pele e infecção urinária – essas queixas estão relacionadas, sobretudo, com as condições desses centros de detenção.

A escassez de alimentos nos centros de detenção também é uma grande preocupação. MSF está atendendo adultos com desnutrição e as pessoas estão mais suscetíveis a enfermidades e doenças graves. Os detentos não têm acesso adequado à água potável; por vezes, há menos de um litro disponível por pessoa por dia, e o acesso a latrinas e chuveiros é muito limitado, resultando em altas taxas de infecções de pele e infestação de piolhos, escabiose e pulgas.
Um relatório recente da ONU destacou a violência e os abusos sofridos por muitas pessoas em detenção. Equipes de MSF em navios de busca e resgate no mar Mediterrâneo resgataram mais de 50 mil homens, mulheres e crianças e ouviram depoimentos pessoais sobre níveis alarmantes de violência e exploração a que foram submetidos na Líbia nas mãos de forças de segurança, milícias, redes de tráfico, grupos criminosos e indivíduos comuns.

A ausência de um sistema de provisão de asilo adequado na Líbia significa que, nas circunstâncias atuais, as pessoas que buscam proteção internacional não podem ter sua situação analisada em procedimentos justos e eficientes e de acordo com os tratados internacionais e regionais sobre refugiados.

A UE está deturpando a realidade: a Líbia não é um lugar seguro, e deter pessoas ali ou enviá-las de volta para lá é debochar dos supostos valores fundamentais do bloco no que tange a dignidade humana e o Estado de direito.”
 

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