MSF insta as empresas J&J e Cepheid a garantirem o acesso a medicamentos e testes para a tuberculose

Apesar de ter cura, a tuberculose continua a ser a doença infecciosa que mais mata em todo o mundo

A médica de tuberculose do Ministério da Saúde da Bielorrússia, Natalia Yatskevich, pega uma embalagem com medicamentos utilizados no tratamento da tuberculose.
© MSF/Alexandra Sadokova, 2022

A 22 de setembro, os líderes mundiais reúnem-se na sede da ONU, em Nova Iorque, para a segunda reunião global de Alto Nível Sobre a Tuberculose (TB). O objetivo é aprovar compromissos ambiciosos para aumentar os testes, o tratamento e a prevenção da TB à luz de ferramentas médicas inovadoras que se tornaram disponíveis na última década, mas que ainda não chegam a centenas de milhares de pessoas que delas necessitam – em grande parte devido aos monopólios das empresas.

A Médicos Sem Fronteiras (MSF) saudou a recente baixa no preço da bedaquilina para 130 dólares por curso de tratamento de seis meses, anunciada pela Parceria Stop TB/Global Drug Facility (GDF), que resultou da entrada de concorrentes genéricos no mercado e finalmente aproximou o preço praticado do preço-alvo de 50 cêntimos de dólar por dia, conforme estimado em 2017. No entanto, o acesso aos genéricos de preço mais baixo será futuramente bloqueado para os países com elevada incidência de TB na Europa de Leste e na Ásia Central, que continuam excluídos do acordo devido a barreiras de patentes.

“Após um período de meio século, temos finalmente medicamentos orais inovadores para a tuberculose, como a bedaquilina, e testes de diagnóstico cruciais, como o GeneXpert. Mas as pessoas em países com elevada incidência de tuberculose continuam a morrer ou a sofrer desnecessariamente porque os monopólios das empresas as impedem de aceder a estas ferramentas que salvam vidas“, avança o presidente internacional da MSF, Christos Christou. “Instamos veementemente a Johnson & Johnson, a Cepheid e a empresa-mãe, a Danaher, para que façam o que está certo e assumam o compromisso de tornar a bedaquilina e o teste GeneXpert universalmente disponíveis e acessíveis, para ajudar os países a combater esta milenar e mortal doença e a salvar vidas em todo o mundo.”

 

Instamos veementemente a Johnson & Johnson, a Cepheid e a empresa-mãe, a Danaher, para que façam o que está certo e assumam o compromisso de tornar a bedaquilina e o teste GeneXpert universalmente disponíveis e acessíveis, para ajudar os países a combater esta milenar e mortal doença e a salvar vidas em todo o mundo.”

 

Uma trabalhadora da MSF realiza uma radiografia do tórax num dos locais de deteção ativa de casos de tuberculose da MSF em Tondo, Manila, nas Filipinas.
Uma trabalhadora da MSF realiza uma radiografia do tórax de um paciente num dos locais de deteção ativa de casos de tuberculose da MSF em Tondo, Manila, nas Filipinas. © Ezra Acayan, 2023

 

Falta de acesso devido às patentes

A bedaquilina, medicamento contra a tuberculose desenvolvido pela J&J, é a espinha dorsal dos regimes de tratamento para a tuberculose resistente a medicamentos (TB-RM) que são recomendados pela Organização Mundial de Saúde. A bedaquilina permitiu um tratamento melhorado, mais curto, mais bem tolerado e mais eficaz para as pessoas com TB-RM. No entanto, o acesso a versões genéricas e mais económicas deste medicamento continuará a ser bloqueado pelas “patentes secundárias” adicionais que a J&J obteve em vários países com uma elevada incidência de TB, TB-VIH ou TB-RM. Esta estratégia agressiva de manutenção das patentes, utilizada pela J&J para prolongar o seu monopólio sobre este medicamento para além dos 20 anos da patente primária, é particularmente ultrajante, tendo em conta que o investimento público no desenvolvimento da bedaquilina foi cinco vezes superior ao investimento da própria empresa.

Embalagens com bedaquilina
Embalagens com bedaquilina, medicamento usado no tratamento da tuberculose. © MSF/Alexandra Sadokova, 2022

 

Na sequência de um esforço bem sucedido de duas mulheres para bloquear a tentativa da Johnson & Johnson de obter uma patente adicional e mais longa sobre a bedaquilina na Índia, a MSF instou a J&J a retirar todas as patentes secundárias que a empresa possa ter em qualquer lugar, para que todos os países possam importar versões genéricas mais acessíveis feitas na Índia. Nandita Venkatesan e Phumeza Tisile sobreviveram à TB-RM, mas não tiveram acesso à bedaquilina, tendo de tomar medicamentos mais antigos que as deixaram surdas.

A J&J anunciou recentemente um acordo com a Stop TB Partnership/Global Drug Facility (GDF) que permite o acesso a genéricos em muitos países e referiu uma descida de preço para 130 dólares por cada tratamento de seis meses. No entanto, o acordo continua a excluir os principais países com elevada incidência de tuberculose.

“Ninguém deveria ter de passar pelo que passámos com os medicamentos mais antigos, quando estão agora disponíveis opções mais eficazes que podem salvar mais vidas e tornar o tratamento muito mais tolerável para as pessoas”, ressalva Phumeza Tisile, uma ativista da tuberculose de Khayelitsha, na África do Sul. “De que serve ter avanços médicos se estes não chegam às pessoas que mais precisam deles? Precisamos que a J&J e a Cepheid façam a coisa certa agora.”

Acesso a testes

A tecnologia dos testes de diagnóstico GeneXpert, produzida pela empresa norte-americana Cepheid (propriedade da empresa Danaher), revolucionou os testes de TB desde que entrou no mercado em 2010. Mas, devido ao elevado preço que a Cepheid continua a cobrar pelos testes GeneXpert, conseguir alargar os testes de TB a todas as pessoas que deles necessitam continua a ser um desafio, e ainda obriga muitos prestadores de cuidados de saúde a confiar em testes mais baratos, mas menos sensíveis, utilizando microscópios, um método desenvolvido no século XIX.

 

Ninguém deveria ter de passar pelo que passámos com os medicamentos mais antigos, quando estão agora disponíveis opções mais eficazes que podem salvar mais vidas e tornar o tratamento muito mais tolerável para as pessoas”

 

A família Koroma conversa com a equipa da MSF do lado de fora da casa em Bumbuna, na Serra Leoa. Toda a família foi diagnosticada com tuberculose multirresistente a medicamentos.
A família Koroma conversa com a equipa da MSF do lado de fora da casa em Bumbuna, distrito de Tonkolili, na Serra Leoa. Toda a família foi diagnosticada com tuberculose multirresistente a medicamentos (TB- MDR) e recebe tratamento. © MSF/Nargiz Koshoibekova, 2023

 

A análise feita pela MSF estimou que custa à Cepheid menos de 5 dólares para fabricar um teste GeneXpert de TB, mas a empresa tem vindo a cobrar o dobro e o triplo deste preço à MSF e aos países de baixos e médios rendimento com elevada incidência de tuberculose, e até quatro vezes mais por testes de outras doenças*. Com base nestas conclusões, a MSF insta a Cepheid a baixar o preço dos cartuchos GeneXpert para 5 dólares, para todas as doenças.

Embora tenham sido feitos progressos no combate à tuberculose, a dura realidade é que a TB continua a ser a doença infecciosa que mais mata em todo o mundo, com cerca de 10,6 milhões de novos casos e 1,6 milhão de mortes em 2021. Apenas cerca de um terço das pessoas com TB-RM conseguiram aceder ao tratamento, com a maioria das pessoas a permanecer sem diagnóstico e, consequentemente, sem tratamento.

“Nos nossos esforços persistentes para fornecer tratamento para as formas mais difíceis de TB resistente a medicamentos, continuamos desanimados com a perda significativa de vidas, especialmente entre as pessoas mais vulneráveis, incluindo pessoas que vivem com o VIH, aquelas que são afetadas por conflitos e crianças em países com alta carga de TB “, explica a responsável pelo grupo de trabalho da MSF para a tuberculose, Cathy Hewison. “Apesar de o aumento urgente de melhores tratamentos e testes ser a necessidade do momento, os preços elevados que ainda são cobrados por algumas empresas não só limitam o acesso das pessoas que precisam urgentemente deles, mas também significam que há menos dinheiro disponível nos orçamentos de saúde para cobrir outros cuidados cruciais de TB. A Cepheid e a Danaher têm de deixar de dar prioridade aos lucros em detrimento das pessoas, e a J&J tem de renunciar à persistente e agressiva estratégia de registo de patentes, para que mais vidas possam ser salvas por esta revolução nos instrumentos médicos contra a tuberculose.”

A Médicos Sem Fronteiras urge veementemente que as empresas Johnson & Johnson e Cepheid anunciem publicamente, até à data da reunião global de Alto Nível Sobre a Tuberculose, na ONU, que irão tomar medidas para melhorar o acesso ao medicamento bedaquilina e aos testes GeneXpert, para que estes possam ser disponibilizados a todas as pessoas que deles necessitam, em todo o mundo.

 

A Cepheid e a Danaher têm de deixar de dar prioridade aos lucros em detrimento das pessoas, e a J&J tem de renunciar à persistente e agressiva estratégia de registo de patentes, para que mais vidas possam ser salvas por esta revolução nos instrumentos médicos contra a tuberculose.”

 

A MSF também insta a J&J para que não aplique quaisquer patentes “secundárias” para a bedaquilina em países com um elevado fardo de TB, e para que retire e abandone todos os pedidos de patentes secundárias pendentes para este medicamento. A MSF urge ainda a Cepheid, e a empresa-mãe Danaher, a baixar o preço dos testes GeneXpert TB de 10 para 5 dólares*.

 

*A Cepheid cobra cerca de 10 dólares por testes de TB e 15 dólares por testes de TB XRM (TB extensivamente resistente a medicamentos); 15 dólares por testes de VIH, de hepatite e de COVID; 16 a 19 dólares por testes de doenças sexualmente transmissíveis; e cerca de 20 dólares por testes de ébola.

 

A MSF é a maior provedora não-governamental de tratamento de TB em todo o mundo e está envolvida na prestação de cuidados para a TB há 30 anos, muitas vezes a trabalhar ao lado de autoridades nacionais de saúde para tratar pessoas numa ampla variedade de ambientes, incluindo em zonas de conflito, bairros precários urbanos, prisões, campos de refugiados e zonas rurais. Em 2022, a MSF tratou mais de 17 000 pessoas com tuberculose, incluindo 2 300 pessoas com TB-RM, em mais de 60 projetos de TB em 41 países.

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