Não é MSF que deveria deixar Nauru, mas, sim, os refugiados

Pelo menos 78 pacientes de MSF consideraram ou tentaram suicídio ou se automutilaram

Não é MSF que deveria deixar Nauru, mas, sim, os refugiados

Médicos Sem Fronteiras (MSF) condena veementemente a repentina decisão do governo de Nauru de interromper a prestação dos cuidados de saúde mental tão necessários, fornecidos por MSF, aos requerentes de asilo, refugiados e à comunidade local em Nauru. A organização médico-humanitária internacional descreve a situação de saúde mental dos refugiados na ilha como “além do desespero” e pede a imediata evacuação de todos os solicitantes de asilo e refugiados da ilha, assim como o fim da política australiana de detenção fora de seu território.

“É absolutamente vergonhoso dizer que os cuidados de saúde mental de MSF não são mais necessários; a situação de saúde mental dos refugiados mantidos indefinidamente em Nauru é devastadora. Nos últimos 11 meses em Nauru, tenho visto um número alarmante de tentativas de suicídio e incidentes de automutilação entre refugiados e solicitantes de asilo, homens, mulheres e crianças que tratamos”, disse Beth O’Connor, psiquiatra de MSF. “Ficamos particularmente chocados com as muitas crianças que sofrem de transtorno de separação traumática. Seu estado se deteriorou, ao ponto em que não conseguiam comer, beber ou até mesmo andar até o banheiro.”

Conforme corroborado pela análise médica de MSF, os pacientes refugiados existem em um ciclo vicioso de desespero profundo, com muitos tendo perdido a vontade de viver. Entre eles, pelo menos 78 pacientes atendidos por MSF tiveram ideias suicidas e/ou se envolveram em automutilação ou atos suicidas. Crianças de 9 anos de idade disseram à equipe de MSF que prefeririam morrer do que viver em estado de desesperança em Nauru. Entre os pacientes em estado mais grave estão aqueles separados de sua família imediata como resultado da política de imigração da Austrália.

Nos últimos 11 meses, os psicólogos e psiquiatras de MSF têm oferecido cuidados de saúde mental para estabilizar e gerenciar os sintomas de dezenas de pacientes. No entanto, nenhuma solução terapêutica pode ser considerada possível para pessoas mantidas indefinidamente em Nauru. “Nossos pacientes frequentemente descrevem sua situação como muito pior do que a prisão porque na prisão você sabe quando pode sair”, continua O’Connor. “Embora na minha opinião profissional não exista uma solução terapêutica para esses pacientes enquanto eles estiverem presos na ilha, temo que a retirada dos cuidados de saúde psiquiátrica e psicológica de MSF de Nauru vá significar a perda de vidas.”

Embora muitos dos refugiados em Nauru tenham sofrido traumas em seus países de origem ou durante sua jornada de refúgio, é a política do governo australiano de detenção indefinida fora de seu território que destruiu sua resiliência e abalou toda a esperança de que um dia levarão vidas seguras e significativas.

“Separar famílias e manter homens, mulheres e crianças à força em uma ilha remota indefinidamente, sem esperança ou proteção, exceto no caso de uma emergência médica, é cruel, desumano e degradante.”, Disse Paul McPhun, diretor executivo de MSF-Austrália. “Enquanto o governo australiano descreve a detenção marítima como uma política humanitária, nossa experiência prova que não há nada de humanitário em salvar pessoas do mar apenas para deixá-las em uma prisão a céu aberto em Nauru. Essa política deve ser interrompida imediatamente e não deve ser reproduzida por nenhum governo. Não são os psiquiatras e psicólogos de MSF que devem sair de Nauru; são as centenas de solicitantes de asilo e refugiados que a Austrália manteve presas na ilha nos últimos cinco anos que deveriam estar saindo ”.

MSF começou a oferecer serviços psicológicos e psiquiátricos gratuitos na República de Nauru em novembro de 2017 para refugiados, solicitantes de asilo e a população nauruana. Esses serviços foram suspensos em 5 de outubro de 2018, quando o governo de Nauru informou a MSF que os serviços “não eram mais necessários” e solicitou que as atividades de MSF fossem encerradas em 24 horas.

Quase todos os 900 solicitantes de asilo e refugiados em Nauru, incluindo 115 crianças, estão na ilha há mais de cinco anos, sem nenhum processo claro ou perspectiva para se instalarem em um local permanente.
 

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