Panamá: MSF inicia operações com migrantes na floresta de Dárien

A organização médico-humanitária pede a criação de rotas seguras para as pessoas em trânsito entre Colômbia e Panamá

Panamá: MSF inicia operações com migrantes na floresta de Dárien

Cidade do Panamá / Barcelona. Após um aumento nas chegadas de migrantes à região, a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) começou a fornecer serviços médicos e de saúde mental para os que cruzam a floresta de Darién da Colômbia para o Panamá. MSF está pedindo às autoridades panamenhas e colombianas que criem rotas seguras para proteger as pessoas em trânsito.

“Há um sofrimento enorme entre nossos pacientes por causa das viagens que eles precisam fazer”, explica Raúl López, coordenador de projeto de MSF. “Muitos deles estão na estrada há semanas ou meses e atravessar a floresta de Darién é difícil por causa da longa e pesada jornada. Somado a isso, ouvimos relatos terríveis sobre violência, roubos, agressões sexuais e ataques que os pacientes enfrentaram. Exigimos que as autoridades colombianas e panamenhas garantam proteção às pessoas em trânsito em seus países”.

MSF iniciou, em maio de 2021, atividades em Bajo Chiquito, a primeira cidade em que os migrantes chegam, e nos Centros de Recepção de Migrantes de San Vicente e Lajas Blancas, após notar um aumento no número de pessoas alcançando a região e suas necessidades de saúde médica e mental. A equipe de MSF inclui médicos, enfermeiros, psicólogos e times logísticos. Além de fornecer serviços médicos e de saúde mental, eles também estão melhorando a infraestrutura sanitária local.

3.390 consultas médicas realizadas

Nos últimos meses, o Panamá relatou um aumento de migrantes que chegam da Colômbia através da floresta de Darién. Entre janeiro e maio, mais de 15 mil migrantes viajaram nessa rota para o Panamá. No mês de maio, 5.303 migrantes registraram sua entrada, de acordo com o Serviço Nacional de Migração do Panamá. Muitos vêm do Haiti e de Cuba, mas também há cidadãos de diferentes países africanos de língua francesa, entre eles paquistaneses e iemenitas. Embora a maioria seja adulta, também há famílias com crianças e muitas mulheres em estágio avançado de gravidez. Em maio, MSF realizou 3.390 consultas médicas e uma média de cinco consultas de saúde mental individuais e cinco em grupo por dia.

“É um percurso muito difícil, tanto pela geografia como pela duração. A caminhada pode durar de cinco a 10 dias, dependendo se o clima é de seca ou chuvoso”, diz López. “Fomos informados de casos de violência e roubos, falta de comida e água. Nossos pacientes viram outros migrantes que não conseguiram continuar devido à exaustão ou que se afogaram nas enchentes dos rios. Os problemas de saúde que mais vemos estão relacionados à infecções de pele e lacerações nos membros, bem como desidratação e diarreia. As crianças frequentemente sofrem de febre, diarreia e desnutrição. Uma das questões que mais nos preocupa, e que é chocante, é que muitas das mulheres as quais ajudamos nos contaram que foram abusadas sexualmente no caminho”.

Durante os primeiros 15 dias de assistência médica em Bajo Chiquito, MSF tratou 12 mulheres que haviam sofrido violência sexual nos três dias anteriores. “No primeiro dia do nosso projeto, tivemos cinco casos. Nossas equipes, que têm anos de experiência na rota dos migrantes mexicanos, nunca tinham visto um número tão grande de casos em um único dia”.

Depoimentos coletados por MSF no México, em abrigos de migrantes onde a organização trabalha, mostram os horrores que enfrentam aqueles que fazem a travessia de Darién. Ana *, 45, vem de Cuba. Após dois anos viajando pela América do Sul, cruzou a fronteira entre a Colômbia e o Panamá.

“Passamos por um pequeno caminho e de repente vimos pessoas armadas. (…) Eles começaram a revistar os homens primeiro. Estavam levando nossas coisas morro acima; sapatos, dinheiro, telefones. No alto da colina havia outro grupo de homens armados. Em seguida, eles revistaram as mulheres. Algumas delas foram levadas diretamente para o alto da colina, onde foram estupradas. Algumas foram violentadas na frente de todos, sem que pudéssemos fazer nada. Até eu… abusaram de mim também. Essa parte é muito difícil porque tem muita coisa, (…) mataram pessoas, gente inocente, na sua frente, sangrando até a morte, sem poder fazer nada, sem poder ajudar”.

Apelo às autoridades

MSF pede às autoridades colombianas e panamenhas que aumentem a proteção dessas pessoas que permanecem extremamente vulneráveis em suas viagens.

“Em MSF, trabalhamos com migrantes há muitos anos. Testemunhamos como as fronteiras, muros e barreiras administrativas afetam negativamente as pessoas em trânsito e como elas são expostas às redes de tráfico que os violam e exploram. Os migrantes devem ter o direito de transitar entre a Colômbia e o Panamá por rotas seguras estabelecidas pelas autoridades, sabendo que não serão agredidos, espancados, roubados ou assediados e que não arriscarão suas vidas ou a de seus entes queridos no caminho. Ninguém deve enfrentar o que nossos pacientes passam apenas por tentarem migrar. A migração não é um crime”.

Na América Latina, MSF trabalha com populações migrantes no México desde 2012, além de ajudar pessoas em trânsito em Honduras, Guatemala, Venezuela e Colômbia, atualmente. A organização desenvolve, ainda, ações para migrantes no Mar Mediterrâneo, Grécia, Líbia e Etiópia, entre outros lugares. No Panamá, MSF colabora com diferentes instituições públicas, o Ministério da Saúde e demais organizações internacionais.

* Nome alterado para proteger a identidade da paciente. Seu testemunho foi coletado no dia  3 de junho em um abrigo no sul do México.

 

Partilhar