Sem mais desculpas para não diagnosticar a doença de Chagas

Seis dos 11 testes rápidos para diagnóstico disponíveis no mercado são altamente confiáveis, o que permite dispensar laboratórios

Pela primeira vez desde que a doença de Chagas foi descoberta, há 105 anos, um estudo independente demonstra que vários testes rápidos para diagnóstico disponíveis no mercado são altamente confiáveis. Esse é um ponto crucial no combate à doença de Chagas, já que significa que é possível diagnosticar pacientes sem utilizar laboratórios e, assim, ampliar a oferta de tratamento tanto em regiões endêmicas como em não endêmicas.

Dos 11 testes rápidos atualmente disponíveis para diagnosticar Chagas, seis são altamente efetivos, e não há diferenças significativas quando consideradas suas performances em diferentes regiões geográficas. Esses são os principais resultados obtidos a partir de um estudo multidisciplinar que vem sendo desenvolvido desde 2010 pela organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O estudo é baseado na análise de 474 amostras de plasma – já pré-testadas com testes convencionais para a infecção pelo Trypanosoma cruzi – em 11 laboratórios de referência nacional na Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, México, Estados Unidos, Espanha, França e Japão.

“É revolucionário. Não podemos mais dizer que não temos testes rápidos para diagnosticar Chagas e, portanto, não há mais desculpas para não tratar as pessoas afetadas pela doença”, explica Laurence Flevaud, consultor laboratorial de MSF e coordenador do estudo. “De acordo com os resultados, os testes funcionam bem em todo o mundo, do Japão a América, passando pela Europa. Nós acabamos com os mitos acerca do diagnóstico de Chagas.”

Sem estudos independentes que comprovassem a segurança dos testes rápidos disponíveis, a OMS recomendou que o diagnóstico da doença de Chagas fosse feito utilizando dois testes laboratoriais convencionais, e um terceiro, em caso de divergências nos resultados. Isso implica em contar com um laboratório bem equipado e uma equipe qualificada. Para os pacientes, significa ter de esperar semanas pelos resultados dos testes após terem cedido uma amostra de seu sangue.

“Graças a esse estudo que desenvolvemos em parceria com o Grupo de Trabalho de Chagas da OMS, a recomendação pode mudar nos próximos meses”, afirma Laurence Flevaud. “Ainda assim, de agora em diante, os programas nacionais de Chagas podem melhorar muito em termos diagnóstico e tratamento da doença, em linha com a resolução assinada em Genebra há quatro anos.”

Em 2010, a Assembleia Mundial da Saúde aprovou a resolução “Doença de Chagas: Controle e Eliminação” (Chagas Disease: Control and Elimination, em inglês), que pressionava por diagnóstico e tratamento integrados aos cuidados primários de saúde para pacientes nas fases aguda e crônica. No entanto, a necessidade de se ter laboratórios de referência para confirmar o diagnóstico dos pacientes representava uma barreira para essa integração. O novo estudo transpassa essa barreira.

Após o estudo, durante o qual os testes rápidos para diagnóstico foram avaliados em laboratórios, teve início uma segunda fase para determinar sua segurança e efetividade em campo, em diversos países. A partir dos resultados, que devem ser divulgados no final deste ano, o melhor teste, ou mesmo uma combinação dos testes, dependendo da região, será apontado.

A doença de Chagas mata 12 mil pessoas todos os anos e estima-se que entre 7 e 8 milhões de pessoas estejam infectadas com a doença. É um dos principais problemas de saúde pública da América Latina. Nas últimas décadas, também foram detectados casos na América do Norte, na Europa e na região que compreende a Ásia e o Pacífico, principalmente como resultado da movimentação das populações.
 
Os resultados do estudo “Avaliação comparativa de 11 testes de diagnóstico para detectar anticorpos do Trypanosoma cruzi em bancos de plasma em regiões endêmicas e não endêmicas” foram publicados no Jornal de Microbiologia Clínica: http://jcm.asm.org/content/early/2014/05/02/JCM.00144-14.abstract

MSF trabalha com programas de Chagas desde 1999. Abaixo, estão listados os programas atuais da organização voltados para a doença:

México: fortalecimento do tratamento da doença de Chagas pelo sistema de saúde do estado de Oaxaca
Desde o início de 2014, MSF presta suporte às equipes das instalações de saúde nos municípios de San Pedro Pochutla e Santa María Tonameca, no estado de Oaxaca, no diagnóstico e tratamento de pacientes com Chagas. Estima-se que as taxas de prevalência entre a população estejam entre 4 e 12%. O projeto vai durar dois anos e tem como objetivo desenvolver um modelo de cuidados integrado ao sistema de saúde que garanta cuidados adequados aos pacientes e que, posteriormente, possa ser replicados em regiões endêmicas do país, para beneficiar mais pessoas.

Bolívia: doze anos registrando no país os mais altos números de pessoas afetadas com Chagas do mundo
Em 2002, MSF deu início ao seu primeiro projeto de Chagas na Bolívia, país com a maior prevalência da doença no mundo. Por quatro anos, pacientes com até 14 anos foram tratados nas áreas rurais de Entre Ríos, na região de Tarija. Depois disso, a organização atuou nos subúrbios de dois distritos em Sucre. Com a experiência adquirida, MSF trabalhou em três distritos suburbanos da cidade de Cochabamba e, posteriormente, na área rural, com o objetivo de integrar diagnóstico e tratamento da doença de Chagas ao sistema de saúde. MSF ainda atua na Bolívia, buscando formas inovadoras de tratar a doença.

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