Tratamento inovador para HIV avançado em Moçambique “Permitiu que as pessoas sonhassem de novo com o futuro”

Centro de atendimento iniciado por MSF é referência no tratamento da doença no país

Tratamento inovador para HIV avançado em Moçambique: “Permitiu que as pessoas sonhassem de novo com o futuro."

“Não tenho palavras para descrever a magnitude do que o CRAM representa para Moçambique, ele faz a diferença na vida de nossos pacientes”, disse o enfermeiro supervisor Rodrigues Ernesto Guambe (ou simplesmente “Guambe”). No início de 2021, Médicos Sem Fronteiras (MSF) repassou as atividades do Centro de Referência do Alto Maé (CRAM) às autoridades de saúde moçambicanas e seus parceiros.

MSF inaugurou o CRAM em Maputo em 2010, com o apoio das autoridades de saúde moçambicanas, com o objetivo de ampliar o acesso a cuidados para pessoas com HIV avançado. O centro se tornou o primeiro e único local de atendimento no país a receber pacientes que sofrem de graves problemas de saúde relacionados ao HIV. Dez anos depois, o CRAM cresceu, tanto em tamanho quanto em capacidade, com serviços mais especializados. O CRAM oferece atendimento a pessoas com HIV avançado; àqueles que necessitam de terapia antirretroviral mais específica caso tratamentos padrão falhem; crianças com complicações relacionadas ao HIV; e pessoas que sofrem de outras infecções que podem surgir junto com o HIV, como hepatite C ou câncer de sarcoma de Kaposi. O CRAM ainda é uma das poucas instalações do país onde as pessoas podem receber esse tipo de atendimento fora de um hospital.

Na última década, a equipe do CRAM atendeu quase 24 mil pessoas com HIV, orientando-as no rastreamento, diagnóstico e tratamento do HIV, infecções oportunistas e outras complicações. As equipes do centro fornecem cuidados médicos e apoio psicossocial até que a carga viral tenha diminuído no sangue e a as contagens de CD4 (células que encontram e destroem bactérias, vírus e outros germes invasores) tenham começado a aumentar. Pessoas com HIV sem tratamento antirretroviral eficaz têm contagens de CD4 muito baixas, pois o vírus destrói essas células.

Atualmente, o CRAM conta com 1.500 pacientes. Isso inclui 120 pessoas que recebem quimioterapia mensal para o sarcoma de Kaposi, um tipo de câncer associado ao HIV e altamente estigmatizado em Moçambique.

“Desde a primeira vez que entrei aqui, nunca tinha visto nada igual. Já trabalhava em um hospital diferente há quatro ou cinco anos, mas os serviços prestados no CRAM atendem com muita rapidez o tipo de paciente que temos”, afirma Guambe.

As pessoas que recebem atendimento no centro geralmente não conseguem andar ou estão muito fracas para comparecer ao CRAM com a frequência exigida pelo tratamento. Em resposta, a equipe médica criou mecanismos para apoiar o acesso aos tratamentos, incluindo visitas domiciliares por uma enfermeira e um serviço de coleta onde um carro de MSF leva pacientes que precisam de procedimentos médicos ou consultas ao CRAM. A troca de experiências entre pessoas que já passaram pelas mesmas vivências e dificuldades no tratamento, conhecido como ação entre pares, também ajuda aqueles que lutam para cumprir seus programas de tratamento de HIV. “Temos pacientes que vêm de todo o país porque este é o único Centro deste tipo. Melhorou a vida de muitas pessoas”, diz Guambe.

De acordo com a dra. Natalia Tamayo Antabak, coordenadora-geral de MSF em Moçambique, as evidências médicas produzidas pelas atividades do CRAM nos últimos dez anos contribuíram para que as autoridades de saúde de Moçambique tenham introduzido novas políticas e programas de saúde que beneficiaram ainda mais moçambicanos. “As contribuições vão além dos próprios pacientes. Entre os principais marcos médicos, vimos as autoridades de saúde moçambicanas implementarem diretrizes nacionais de tratamento para HIV avançado e hepatite crônica e um protocolo de tratamento nacional para Sarcoma de Kaposi. Juntamente com estratégias como o estabelecimento dos Grupos de Adesão e Apoio Comunitário (GAAC) que ajudam as pessoas a seguirem o tratamento ao longo da vida, que revolucionaram a forma como tratamos o HIV em Moçambique.”

Além de contribuir para mudanças nas políticas, o CRAM também ajudou a desenvolver as capacidades locais, com oportunidades para profissionais aprenderem e desenvolverem ainda mais suas habilidades. “O CRAM não é só importante para os pacientes, é importante também para os profissionais que trabalham aqui. Eu considero ter melhorado muito meus conhecimentos sobre o HIV. Comecei a ver a doença de uma forma diferente, principalmente o HIV avançado”, explica Guambe.

Em 1º de janeiro de 2021, MSF repassou a gestão do CRAM às autoridades nacionais de saúde. As atividades serão apoiados pelo Centro Internacional de Formação e Educação para a Saúde (I-TECH), uma rede global que trabalha para desenvolver profissionais de saúde qualificados e sistemas nacionais de saúde resilientes, e o Centro de Colaboração em Saúde (CCS), uma organização moçambicana cujo foco é o HIV. Ex-membros da equipe de MSF, como Guambe, que começou no CRAM há seis anos, já foram integrados à equipe I-TECH, consolidando uma transição tranquila e eficaz.

Todos os serviços de saúde oferecidos pelo CRAM continuarão como antes, apenas o prestador de saúde mudou. Os pacientes ainda receberão os mesmos cuidados gratuitos e de alta qualidade.

De acordo com Guambe, ainda há muito trabalho pela frente, já que muitas pessoas ainda não levam o HIV a sério o suficiente em Moçambique, embora o país tenha sido um dos mais afetados pela epidemia de HIV e Aids na África subsaariana. Em 2018, a estimativa era de que 2,2 milhões de moçambicanos viviam com o HIV, dos quais apenas 1,2 milhões recebiam tratamento. De acordo com o Unaids, cerca de 150 mil novas infecções por HIV e 54 mil mortes relacionadas à Aids ocorreram no mesmo ano.

“Os pacientes que atendemos chegam com HIV já em estágio avançado”, diz Guambe. “Antes de decidirem vir até nós, muitos procuram curandeiros locais, pois associam os sintomas a algum tipo de feitiçaria. Quando chegam, seu estado de saúde está muito deteriorado, principalmente no que diz respeito ao sarcoma de Kaposi. Precisamos conscientizar as pessoas que podemos controlar essas doenças. Há muito estigma em torno do HIV; alguns escondem seus sintomas por medo de que outros possam descobrir que estão doentes. Ainda há muito trabalho a ser feito a nível das comunidades para que possamos ajudar mais pessoas.” Mas as coisas estão encaminhadas, diz ele. O CRAM levou e continuará a levar esperança aos seus pacientes. “Permitiu que as pessoas sonhassem de novo com o futuro. Existe presente melhor que esse?”

MSF começou a trabalhar em Moçambique em 1984 e tem apoiado o Ministério da Saúde na resposta a desastres naturais e epidemias, com foco específico em HIV/Aids e tuberculose. A organização desenvolve atualmente atividades médicas na cidade de Maputo e nas províncias de Sofala e Cabo Delgado.

 

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