Vidas em perigo: os impactos humanitários da política “Fique no México”

Um ano depois da implementação de mais uma política antimigração, pacientes de MSF relatam violência e sequestros

Vidas em perigo: os impactos humanitários da política “Fique no México”

Um ano depois que os Estados Unidos implementaram a política “Fique no México”, dezenas de milhares de solicitantes de asilo encontram-se presos e em situação de risco no México. Eles enfrentam violência diária e lidam com os efeitos da insegurança no aspecto da saúde mental, consequência do constante perigo na região e de incertezas. A denúncia foi nesta quarta-feira (29) pela organização internacional humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF).

“Os solicitantes de asilo são devolvidos ao perigo, ficando nas mãos dos cartéis que controlam as rotas de migração no México”, disse Sergio Martin, coordenador geral de MSF no México. “A alguns passos da fronteira dos EUA em Matamoros, existem milhares de requerentes de asilo que vivem em campos improvisados com acesso limitado a abrigos ou cuidados médicos básicos. Em Nuevo Laredo, temos pacientes que não saem dos abrigos porque sabem que podem ser sequestrados, retidos ou mortos.”

Implementada em janeiro de 2019, “Stay in Mexico” (“Fique no México”, na tradução livre) é uma política oficialmente chamada de Protocolo de Proteção aos Migrantes (MPP, na sigla em inglês) do governo dos EUA. Esse programa exige que os solicitantes de asilo retornem ao México para aguardar procedimentos de asilo, deixando-os vulneráveis a sequestros e outras formas de violência.

Aproximadamente 60 mil pessoas foram devolvidas ao México devido ao MPP. MSF vem trabalhando ao longo da rota de migração no México e nos pontos de fronteira de Nuevo Laredo, Matamoros, Mexicali e Reynosa. Nessas regiões, a organização observa devastadoras consequências humanitárias do programa americano e as novas regras que acabam essencialmente com o asilo na fronteira sul dos EUA.

Aproximadamente 80% dos migrantes atendidos por equipes de MSF em Nuevo Laredo durante os primeiros nove meses de 2019 relataram ter sofrido pelo menos um incidente violento. Outros 43,7% dos pacientes disseram ter sido vítimas de violência nos sete dias anteriores à consulta às equipes de MSF.

Em setembro de 2019, 43% dos pacientes tratados por MSF que foram enviados para Nuevo Laredo por meio do MPP tinham sido sequestrados recentemente, e 12% dos pacientes relataram ter sido vítimas de tentativas fracassadas de aprisionamento. No mês seguinte, o percentual de pacientes sequestrados havia aumentado para 75%.

Os dados reunidos se referem a pacientes atendidos nos projetos de MSF e representam uma parte da enorme extensão da violência que os migrantes enfrentam. Em Nuevo Laredo e Matamoros, os pacientes da organização lidam com intensa ansiedade, depressão e estresse pós-traumático devido ao perigo e incerteza de que serão devolvidos ao México.

“Nossos pacientes, que estão presos, vivem em limbo e com medo constante”, explica Martin. “Eles estão traumatizados e precisam de apoio à saúde mental”.

O Protocolo de Proteção aos Migrantes é uma restrição em meio a novas limitações de asilo extremamente prejudiciais promulgadas pelos Estados Unidos em cooperação com governos da região que arriscam a vida das pessoas e as devolvem a situações de extrema vulnerabilidade.

Em 2019, os Estados Unidos negociaram tratados de migração com os governos da Guatemala, Honduras e El Salvador, o que lhes permitiria devolver os solicitantes de asilo a esses países.

“Muitos de nossos pacientes estão escapando de altos níveis de violência na Guatemala, Honduras e El Salvador”, diz Marcelo Fernández, coordenador regional de projetos de MSF na América Central. “É um absurdo que os EUA enviem as pessoas de volta para os mesmos países da América Central de onde estão fugindo.”

Além de inseguros, esses países não dispõem de infraestrutura, mecanismos de proteção ou fundos necessários para começar a receber solicitantes de asilo. Há informações limitadas sobre os termos exatos desses acordos, como eles serão implementados ou quando.

“As pessoas que vemos ao longo da rota migratória estão conscientes dos perigos que enfrentarão no caminho, mas estão desesperadas para escapar da violência e da pobreza em seus países e tentarão continuar buscando refúgio nos Estados Unidos”, disse Fernández. “Um ano após a implementação do ‘Stay in Mexico’ (‘Fique no México’), não há dúvida sobre o custo e os riscos que gera para pessoas extremamente vulneráveis. Os Estados Unidos devem pôr um fim a essa política cruel e desumana que força as pessoas a arriscarem suas vidas a procurar asilo”.

No México, MSF oferece assistência médica e mental em abrigos em Tapachula, Tenosique, Coatzacoalcos, Cidade do México, Nuevo Laredo, Mexicali, Reynosa e Matamoros.

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