Viver com VIH/sida em Conacri, Guiné: a história de Mouna

Mulher grávida faz um teste de VIH numa maternidade em Conacri, na Guiné, onde a MSF apoia os serviços de VIH.
©️ Albert Masias/MSF

Em 2023 assinala-se 20 anos desde a abertura do projeto para cuidados do VIH da Médicos Sem Fronteiras em Conacri, a capital da Guiné.

Ao longo de duas décadas, as equipas da MSF têm sido uma força fundamental na criação de novas abordagens médicas, na mobilização da sociedade civil e na realização de iniciativas inovadores para a distribuição de medicamentos antirretrovirais, ao mesmo tempo que pressionam constantemente as autoridades e os doadores a aumentarem os esforços para o apoio dos programas de cuidados do VIH na Guiné.

Passámos o microfone aos nossos pacientes, equipa e ativistas, que deram testemunhos sobre os progressos realizados nas últimas duas décadas.

Embora o estigma em torno do VIH ainda seja alto, está a diminuir graças aos esforços de todos aqueles que demonstraram que as pessoas com VIH podem agora viver vidas longas e saudáveis, e até ter filhos sem transmitir o vírus.

Quem vive com o VIH enfrenta desafios e dificuldades diárias, mas os nossos pacientes exibem uma inconfundível alegria de viver.

Recorremos à fotógrafa Namsa Leuba, originária da Guiné, para ajudar a documentar o quotidiano destas pessoas.

Aqui, vamos conhecer uma destas histórias: a de Diallo Maïmouna, conhecida como Mouna, que trabalha com a MSF como ponto focal comunitária e é uma pessoa que vive com VIH.

 

Diallo Maïmouna, conhecida como Mouna, que trabalha com a MSF na Guiné e é uma pessoa que vive com VIH

“Tinha 18 anos quando casei com um homem que não conhecia. Foi um casamento arranjado e ele era 10 anos mais velho do que eu. Reparei numa erupção cutânea no corpo dele. Na altura, não fazia ideia do que era. Dermatite seborreica devido ao VIH era a coisa mais distante da minha mente.

Após quatro anos de casamento, separámo-nos. Voltei a casar uma década mais tarde e foi nessa altura que descobri que o meu primeiro marido tinha morrido devido a complicações relacionadas com o VIH. Pouco tempo depois, também fiquei doente.

Nos anos 2000, na Guiné, os médicos não tinham formação sobre o VIH. Nenhum deles sabia o que eu tinha. Meu irmão mais velho mandou-me para uma clínica em Inglaterra para fazer o teste. Quando soube do meu diagnóstico, não me disse nada. Mas contou ao meu marido e à minha família.

 

 

A minha vida passou diante dos meus olhos: aquilo por que tinha passado, o comportamento do meu marido e da minha família…

 

Quando voltei para a casa da minha família, eles isolaram-me no meu quarto e compraram-me coisas novas para que eu não tivesse de pedir nada emprestado a eles. Um dia, voltei para a minha casa e descobri que o meu marido havia mudado as fechaduras. Ele disse que eu tinha de voltar para a minha família, onde fui novamente isolada. A doença continuou a desenvolver-se. Perdi todo o meu cabelo, tive dermatite na cara, perdi peso.

A minha família mandou-me consultar um médico – que disse que eu era seropositivo. A minha vida passou diante dos meus olhos: aquilo por que tinha passado, o comportamento do meu marido e da minha família…

O meu irmão e a minha família apoiaram-me financeiramente para que eu pudesse receber tratamento. Na década de 2000, alguns medicamentos nem sequer estavam disponíveis na Guiné e eram difíceis de encontrar.

Após muitos meses de tratamento, o meu estado melhorou e recuperei, de tal forma que a minha família, pensando que eu estava curada, considerou que o tratamento já não era necessário. Já não queriam gastar dinheiro com o tratamento. Felizmente, o meu irmão continuou a ajudar-me. Ele tinha medo que eu me suicidasse. Foi em grande parte graças à MSF que os tratamentos finalmente tornaram-se gratuitos na Guiné.

 

Em 2011, a MSF sugeriu que eu me juntasse à equipa de educadores em pares da organização, para falar e lutar contra o estigma.

 

Foi o meu médico que me falou das organizações de base comunitária. Comecei a fazer voluntariado para elas e, desde então, tenho lutado incansavelmente para que as pessoas não tenham de passar pelo que eu passei.

Em 2011, a MSF sugeriu que eu me juntasse à equipa de educadores em pares da organização, para falar e lutar contra o estigma. Também me tornei membro fundador da rede nacional de associações que lutam contra o VIH/sida na Guiné, a REGAP+. Organizo testes, dou resultados, apoio os pacientes e faço ações de sensibilização.

Também recebi formação e participei em conferências internacionais. Por vezes, dizem-me que sei mais sobre o VIH do que alguns médicos. Também escrevi um livro, que foi traduzido em três línguas e transformado num livro infantil. Se tivesse recebido esta riqueza de conhecimentos e de informação quando era mais nova, provavelmente teria uma vida diferente.

O estigma fazia parte do meu dia a dia, tanto no meu bairro como na minha família. Não é o VIH que mata, é o estigma e a desinformação. Os níveis de estigma eram muito altos na Guiné. Hoje está a diminuir, graças sobretudo às organizações comunitárias.”

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