Direto do coração da África

Nem parece que já faz um mês que eu deixei o Brasil rumo ao coração da África. O tempo aqui passa voando. É fácil perder a noção do tempo em meio às dezenas de afazeres, que frequentemente começam às 6h30 e terminam após as 21 horas.

Hoje, depois de 26 dias, tive meu primeiro dia de descanso em meio as minhas atividades de abrir e administrar a parte de Recursos Humanos e Finanças da maternidade de Castor, a única da região e uma das únicas em Bangui que presta serviços gratuitos à população. Porém, todo esse esforço é recompensado diariamente diante do impacto positivo que MSF tem na vida dos cidadãos centro-africanos.

Lembro quando estava em Bruxelas e um colega que já passou diversas vezes por aqui me disse: “O melhor de se trabalhar em Bangui é que é muito fácil se lembrar o porquê de você estar lá”. E é verdade. A motivação que você recebe ao ver o resultado do trabalho aqui supera completamente a exaustão física, emocional e mental do dia a dia.

O fato de que chegamos a trabalhar, por vezes, até 16 horas por dia, sem final de semana ou feriado, confinados na base ou no escritório, sem direito a sair nem ao menos para conhecer o restaurante vizinho ou o mercado da esquina, é facilmente esquecido quando se escuta o choro de um novo centro-africano que nasce em nossa maternidade ou vemos o sorriso no rosto de um funcionário que recebe o seu salário, e que sabe que poderá alimentar sua família, ou reconstruir sua casa destruída pela guerra.

Esta última parte, em especial, é a que mais me toca, uma vez que sou eu o responsável pela contratação e pela manutenção do quadro de funcionários. Foi um enorme desafio contratar mais de 70 pessoas em duas semanas, um trabalho que levou dias e noites sem dormir direito, analisando currículos, fazendo provas, entrevistas. Porém, tudo isso compensa quando você diz a uma pessoa que ela foi contratada.

Até começar a trabalhar com MSF eu não tinha ideia de como o nosso trabalho vai muito além dos cuidados médicos. Graças a MSF, são quase 3 mil famílias recebendo empregos, possibilitando para muitos que perderam suas casas reconstruí-las, garantindo a muitos pais o alimento de seus filhos, fazendo com que aqueles que viviam em desespero, muitas vezes morando em um campo de refugiados por não ter mais para onde ir, possam recomeçar, e conseguir reconstruir sua vida. Presenciar isso é impagável.

Fico muito feliz por ter podido participar de algo tão grandioso e inspirador. Acho que essa é uma experiência que todos deveriam ter na vida, é algo realmente transformador. Infelizmente, por conta do contexto, meu tempo por aqui vai ser curto e no mês que vem já retorno o Brasil, mas ansioso para saber onde será minha próxima parada.
 

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