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Depois do início do trabalho com MSF em Moçambique, médica brasileira escreve sobre a primeira pessoa que auxiliou a começar o tratamento contra o HIV
Médica
Data: 12/10/2016
Um dos maiores desafios no combate à epidemia do HIV e da Aids, em qualquer lugar do mundo, é identificar pessoas soropositivas, iniciar o tratamento com anitirretrovirais e fazer com que elas continuem tomando os medicamentos até o fim da sua vida.
Moçambique está começando uma nova fase do combate ao HIV, cumprindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). A estratégia se chama “Testar e Tratar”, e orienta a começar o tratamento com antirretrovirais de todas as pessoas portadoras do vírus HIV, mesmo que a imunidade e as condições de saúde ainda estejam preservadas. Há muitos obstáculos ainda por ultrapassar: os medicamentos não estão disponíveis em todas as unidades sanitárias, as distâncias são grandes, há uma enorme área rural e as estradas são precárias.
No tratamento de uma doença crônica, como a Aids, não pode haver rupturas nos estoques de medicamentos. Interromper os antirretrovirais pode significar dar início a um tipo de vírus resistente, que se replica sem a ação dos medicamentos. Como resultado, acontece a falência do tratamento e a necessidade de começar uma segunda linha, bem mais cara e com mais efeitos colaterais.
É minha segunda semana no projeto “Corredor”, em Beira, Moçambique. Estou iniciando meu trabalho em uma das unidades sanitárias apoiadas por Médicos Sem Fronteiras (MSF) no bairro da Munhava. Junto com o técnico de medicina, começamos a atender a primeira pessoa que iniciaria ali seu tratamento com antirretrovirais (Tarv). Era uma profissional do sexo chamada Faustina, de 15 anos. Disse que vinha de Inhambane, província mais ao sul do país. Contou que o pai tinha morrido e ela tinha vindo para Beira morar com a irmã, os dois filhos e o marido. Informou ter feito o teste para HIV em junho deste ano, que estudou até a oitava série, mas que tinha parado de estudar há alguns meses, pois sua irmã não tinha dinheiro para a matrícula da escola. Perguntei se ela tinha entendido o resultado do teste e ela disse que sim, que tinha dado positivo para o HIV. Quando indaguei se ela sabia como o vírus HIV entra nas pessoas, ela teve dúvidas, mas arriscou: “abuso sexual?”
Faustina estava triste, chorou ao falar que queria voltar para a província de Inhambane, para junto da mãe e da irmã mais nova, mas que não tinha o dinheiro do machimbombo (ônibus local). Perguntei se a irmã sabia que ela era soropositiva e ela negou, disse que não tinham boa relação, que brigaram muito e que sua irmã tinha ameaçado expulsá-la de casa quando descobriu que estava fazendo sexo em troca de dinheiro.
Diante desse quadro de extrema fragilidade da menina, eu a acompanhei até o aconselhamento com nosso grupo psicossocial. A jovem não tinha condições de iniciar um tratamento com antirretrovirais sem ajuda. É certo que quando a pessoa soropositiva em tratamento esconde os medicamentos, vai esquecer de tomar na hora certa.
Seus exames mostram que suas defesas ainda estão preservadas, mas com essa nova orientação adotada pelo país, de “testar e tratar”, temos que iniciar o tratamento da Faustina. Porém, sabemos também que fazer a terapia com antirretrovirais de forma incorreta é pior do que não tomar os medicamentos. Marcamos um novo encontro e posterior visita da educadora de par* à irmã, a fim de ajudar a explicar as condições da jovem. Quando ela saiu foi a minha vez de me emocionar, imaginando que futuro terá essa menina, tão jovem e obrigada a se prostituir para sobreviver, HIV-positivo e tendo que iniciar um tratamento para o resto da vida. Respirei fundo e pensei: ainda bem que ela tem essa chance; sem o tratamento em meses ela estaria doente com Aids, e provavelmente morreria. Agora, Faustina tem uma chance, sei que será difícil manter esse tratamento nessas condições, mas ela tem uma chance. E isso me fez sentir melhor pra continuar a trabalhar, afinal era a minha primeira paciente.
*A “educação aos pares” é uma abordagem de promoção de saúde na qual membros da comunidade integram as equipes para transmitir mensagens de saúde a pessoas que compartilham das suas mesmas experiências de vida e bagagem sociocultural.