Muitas histórias congolesas para contar

Niangara, 05 de maio de 2013

Vou falar um pouquinho sobre a vida em Niangara.

Esta pequena cidade no meio da floresta equatorial pertence à região chamada de Província Oriental e foi uma potência econômica na época da colonização belga. Havia uma grande produção de algodão e o tribunal da Província Oriental era em Niangara e, por isso, todas as decisões importantes eram tomadas aqui. As “estradas” que hoje que são invadidas pela floresta eram bem conservadas e iam de Niangara à República Centro-Africana e ao Sudão.

O convento onde moramos hoje foi, no início, um seminário e depois eles construíram, próximo daqui, um novo prédio para o seminário e as freiras vieram para cá. O que todos me disseram é que vinham jovens de todo o Congo para se formarem padres e freiras.

Em frente ao convento temos o hospital que fica a cinco minutos de caminhada daqui e também foi construído pelos belgas – era realmente um hospital de referência por volta de 1930. Do lado esquerdo está a igreja católica e do lado direito a escola, que ainda funciona até hoje e é mantida pelas freiras, que moram no prédio do seminário. Aqui não se formam mais padres e freiras.

Quando caminhamos por Niangara podemos ver os escombros dos antigos e imponentes prédios da época colonial e temos uma ideia da grandeza que deve ter sido – havia energia elétrica e encanamentos dentro das casas. É triste saber que, após a independência, a cidade ficou abandonada e quase todas as coisas boas deixadas pela colonização (se é que podemos chamar assim) desapareceram.

Niangara é também conhecida como centro da África. Há uma pedra próximo daqui que é o marco deste ponto – como é que eles chegaram a essa conclusão, não tenho a menor ideia, mas costumava ser um ponto turístico.

Por volta de 2009, por causa da guerra civil, Niangara foi palco de um genocídio. Milícias rebeldes que passaram por aqui saqueavam, estupravam e mutilavam quem encontrassem pela frente, por isso MSF veio para cá. Hoje em dia, as pessoas que restaram são os sobreviventes desse período de tensão, que contam com detalhes tudo o que passaram. Conversar com nossos colegas da equipe nacional é como assistir a um documentário; sempre têm ótimas histórias para contar.

A economia por aqui gira em torno da cultura de subsistência. Eles plantam para alimentar a família, principalmente porque a poligamia é tradição, então, em geral as famílias são enormes, com 15 a 20 filhos por homem adulto. Existem pequenos comércios e o mercado aos domingos.

O interessante é ver como existem pessoas que se adaptam de forma magnífica ao ambiente em que vivem. A pessoa responsável pela gestão do nosso estoque é uma congolesa em torno de seus 40 anos, muito simpática e que conhece todo mundo. Clarice trabalha no escritório de segunda à sexta-feira, das 8 às 17h00 e, aos sábados, das 8 às 14h00. Após sua jornada com MSF, ela vai para o seu comércio, onde ela vende de tudo um pouco: tecidos, um pouco de comida, refrigerantes e cerveja. A maneira que ela encontrou para abastecer seu comércio foi partir de moto à Isiro, uma cidade a 140 km daqui, mas que, em termos de tempo de viagem, significa 6 horas somente de ida, porque não há estrada. Ela é capaz de colocar 50 kg na traseira de sua moto – inacreditável! Como se não bastasse, ela também cozinha e, aos domingos, ou, às vezes, para o jantar, ela serve comida, que é uma delícia, diga-se de passagem.

Além dessa mulher fantástica, outra pessoa extraordinária é papa Marcel (no Congo, eles costumam chamar todo mundo de papa e maman, que é um sinal de respeito). Papa Marcel aparenta ter uns 70 anos e ele é responsável pelo abastecimento de vacinas e pela manutenção dos freezers nos centros de saúde.

Ao todo, são 16 centros de saúde em Niangara, e, pelo menos a metade possuía um freezer a petróleo antes de MSF chegar – não existe mais energia elétrica por aqui, só por gerador. Agora, nós colocamos freezers mantidos por energia solar, uma tecnologia fantástica!

Enfim, antes da existência de MSF, apesar de todo o sistema de saúde ser pago, as vacinas eram gratuitas, mas era necessário buscá-las em Isiro. Então, uma vez por mês, papa Marcel pegava sua bicicleta com um isopor térmico na traseira, pedalava até Isiro – se a Clarice faz esse trajeto em seis horas de moto, imaginem de bicicleta! -, pegava as vacinas e as distribuía entre os 16 centros de saúde. Isso é realmente amor pelo trabalho. Felizmente, após a chegada de MSF, as vacinas chegam de avião até Niangara. Após a nossa partida, Isiro continuará a ser o centro de abastecimento, mas vamos doar duas motos e um 4×4 para o Ministério da Saúde, o que facilitará o trabalho por aqui.

É a primeira vez que trabalho em um hospital que não tenha sido construído por MSF, onde a maioria dos funcionários pertence ao Ministério da Saúde. No entanto, é fascinante ver como eles se desdobram para realizar seu trabalho com recursos superescassos.

Quanto a nós, estrangeiros, a nossa equipe está reduzida a seis pessoas. A nova obstetriz, da Costa do Marfim, e a nova administradora, da Bélgica, chegaram há 10 dias, ambas em primeira experiência com MSF. Elas são superssimpáticas e é estranho, porque sou uma das mais experientes em MSF por aqui… Parece que foi ontem que cheguei toda perdida ao Níger. O tempo passa rápido…. Como nossa equipe está cada vez mais reduzida, estamos passando cada vez mais tempo com nossos colegas da equipe nacional e é por isso que já tenho ótimas histórias congolesas para contar. É interessante como cada local e cada projeto de MSF tem suas particularidades.

Bom, boa semana a todos. Voltarei a escrever quando tiver mais histórias interessantes para contar.

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