O trabalho invisível e imprescindível da cadeia de suprimentos

Rafael Bretas conta como é garantir que todo o material necessário esteja disponível em um projeto de MSF

O trabalho invisível e imprescindível da cadeia de suprimentos

-O que você faz da vida?
-Trabalho em Médicos Sem Fronteiras, a organização internacional de ajuda humanitária.
-Ah, então, você é médico!
-Não!

Esse diálogo é muito comum na minha vida e eu não posso culpar nenhum dos meus interlocutores. Quando decidi me candidatar para trabalhar com MSF, tudo o que eu sabia era que eles precisavam de logísticos. Neste momento, estou em Cabul, no Afeganistão, na minha primeira missão como profissional responsável de “supply” (cadeia de suprimentos), onde trabalho com uma equipe incrível de 21 profissionais nacionais e três internacionais. Agora que entendo melhor como tudo funciona, é preciso explicar para meus interlocutores que você não precisa necessariamente ser um médico para trabalhar com MSF e, sim, as atividades das cadeias de suprimentos de MSF são interessantes, desafiadoras e imprescindíveis para o objetivo de prestar atendimento médico de qualidade.

O que faz um profissional de supply em MSF? Tentando simplificar, logística/supply é a área de atuação que cuida do fluxo de materiais. Se um médico na linha de frente dos atendimentos precisa de bisturis, ele pede para a equipe de supply; se um engenheiro/logístico precisa de um gerador para abastecer um hospital, ele pede pra equipe de supply; se um farmacêutico num projeto precisa de paracetamol, ele pede pra equipe de supply. Ou seja, quando alguém precisa de qualquer tipo de material, eles procuram essa equipe.

Às vezes, tenho a impressão de que nossos requisitantes nos veem como “mágicos”; recebemos algumas demandas que fazem com que eu me pergunte “como eu vou fazer para entregar isso, nesse lugar e nessa data”? Mas meu lema é “nada é impossível, tudo tem um jeito”.

Então, o trabalho de supply começa quando alguém no campo descobre alguma necessidade de material que precisa ser atendida e fazem a requisição à equipe de supply, explicando em detalhes o que eles precisam, onde eles precisam e quando eles precisam. Daí em diante, a equipe assume e faz a mágica acontecer. Juntos decidimos onde conseguir o material, como transportar, como armazenar e garantimos a qualidade do material até o destino final.

Parece simples, mas são muitos os desafios! Temos a pouca oferta de produtos em mercados locais; a grande distância dos principais centros de distribuição; as restrições de transporte e armazenamento (em especial nos lugares com pouca infraestrutura ou em zonas de conflito); e as dificuldades com itens sensíveis (como os itens refrigerados ou de curta vida útil). Isso além de toda a burocracia das importações de materiais para atender aos projetos, todo o trabalho para organizar e atualizar os status das requisições e manter os requisitantes informados para evitar o risco de deixar os projetos desabastecidos e garantir as condições necessárias para que prestemos atendimento médico de qualidade, que é o principal compromisso de MSF.

A estrutura de supply de MSF é digna das maiores multinacionais. Os profissionais são altamente capacitados e a cultura da organização é entender que apesar de essa não ser a atividade central da organização, é vital para garantir o atendimento médico. Para isso, temos várias equipes: as equipes dos projetos, as equipes das coordenações, as equipes dos centros de distribuição e as equipes dos escritórios e centros operacionais. Todos trabalhando em parceria e sincronia, sempre com o foco em garantir tratamento aos nossos pacientes.

É uma vida agitada, que inclui plantões; intermináveis planilhas de Excel; inventários do estoque no armazém; lidar com fornecedores, clientes e autoridades locais; quebras na cadeia de frio (fundamental para que vacinas estejam na temperatura certa, por exemplo) e atraso nos transportes. Mas eu amo esse trabalho. E poder fazer isso numa organização séria, confiável e com um objetivo nobre como MSF é um privilégio.

 

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