Cólera ameaça famílias deslocadas em Moçambique

População que deixou seus vilarejos para fugir das enchentes no Vale Zambeze enfrentam más condições de vida

Após as enchentes que afetaram o Vale Zambeze em Moçambique, os deslocados internos estão agora sob ameaça de surtos de cólera, resultantes das más condições de vida e higiene nos acampamentos.

Apesar de ter havido uma pequena estabilização na semana passada, os níveis de água no Vale do Zambeze continuam preocupantemente altos. Fortes tempestades regulares impedem que as enchentes diminuam. Essa situação instável faz com que a maior parte das famílias não tenha esperança de conseguir voltar para suas casas em um futuro próximo.

Mais de cem mil pessoas foram obrigadas a pedir refúgio nos acampamentos, às vezes em locais muito longe de seus vilarejos. Algumas famílias foram enviadas para acampamentos de transição e esperam ser removidas para um novo lugar.

Agora, duas semanas depois que o nível das águas atingiu seu ponto mais alto, o cólera está se espalhando pelos acampamentos do distrito de Mutarara porque as condições de higiene não são satisfatórias. Geralmente, a doença se dissemina através de água suja e fezes humanas.

"Acampamentos sem latrinas adequadas ou sem água potável são particularmente vulneráveis", afirma Dr. Richard N'kurunziza de MSF. "Os acampamentos transitórios são particularmente afetados porque não foram tomadas medidas suficientes para garantir as condições de higiene aceitáveis nesses locais. E apenas alguns dias sem a higiene adequada são suficientes para que a doença se espalhe".

Tratando e prevenindo a disseminação da doença

MSF agora aumentou o acampamento de tratamento de cólera próximo ao Hospital Mutarara e construiu um novo em Bawe, a cerca de cinco quilômetros ao norte. Equipes de MSF sistematicamente rastreiam pessoas que chegam com sintomas de cólera para ver de onde eles vêm e assim identificarem a fonte de transmissão.

"Há alguns dias, nós descobrimos que duas pessoas com cólera vieram do mesmo acampamento" contou Dr N'kurunziza. "Nós fomos lá e verificamos que mais um grupo de pessoas havia chegado ao local, fazendo com que o número de latrinas e de suprimento de água se tornasse claramente insuficiente. As pessoas estavam defecando em volta do acampamento e bebendo água do rio: isso é uma receita para o desastre".

O cólera nunca é uma surpresa quando esse tipo de desastre natural acontece, mas há algumas lacunas nas medidas de prevenção. Apesar da coordenação entre diferentes agências de ajuda humanitária ser boa, há algumas falhas e nem todas as promessas foram cumpridas. Em um dos casos, ONGs levaram um tanque de água para um acampamento, mas só encheram-no de água cinco dias depois.

Medidas decisivas são necessárias

Como muitos casos vieram de Bawe, um vilarejo agora cercado por três acampamentos (com mais de 9 mil pessoas), a equipe de logística de MSF implementou um centro de tratamento de cólera no local.

"Nós não temos como saber quantas pessoas serão tratadas aqui", afirmou Jean Pletinckx, responsável pela construção. "Mas não queremos correr nenhum risco e estamos bastante seguros de que esse lugar é a fonte da contaminação. Ao construir o centro aqui, nós também queremos evitar que as pessoas andem até Mutarara para receberem tratamento".

Até agora, mais de 330 pessoas foram tratadas nos centros administrados por MSF no distrito de Mutarara. Esse número pode aumentar ainda mais. Mais chuvas são esperadas e mais pessoas podem se deslocar devido à possível abertura da represa Kariba, fazendo com que a situação piore.

Tratar as pessoas é essencial para salvar vidas, mas esse trabalho seria uma perda de tempo e energia se medidas não forem tomadas para conter a contaminação a partir da fonte. Promotores de saúde de MSF estão trabalhando nos acampamentos para convencer as pessoas a construir latrinas e a usá-las. Ao mesmo tempo, equipes de logística trabalham para garantir que a água potável esteja acessível nos acampamentos administrados por MSF.

Atualmente, MSF fornece água potável para oito acampamentos nos distritos de Mutarara, Mopeia, Morrumbala e Chinde. Mais de 600 latrinas foram providenciadas nesses acampamentos e o trabalho consiste em fazer com que elas sejam as mais seguras possíveis.

Uma vez que os esforços para retirar as pessoas das zonas afetadas estão em sua fase final, é essencial para as equipes de MSF e outros atores continuar a trabalhar duro para prevenir a disseminação da doença. As condições de vida nos acampamentos podem ser bem difíceis, mas as pessoas devem ter condições básicas de higiene para viver lá.

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