As duras escolhas das pessoas deslocadas em Aburoc

Com a deterioração da situação nesse vilarejo do Sudão do Sul, deslocados têm de tomar a difícil decisão de ficar ou voltar para casa – e para a violência

As duras escolhas das pessoas deslocadas em Aburoc

Um ano depois do surgimento de conflitos na região do Alto Nilo, no Sudão do Sul, muitos dos que fugiram da violência permanecem nos arredores do vilarejo de Aburoc. Mas, em breve, esta comunidade se deparará com uma escolha difícil: ficar no local, onde as condições de vida são difíceis e se deterioram, ou voltar para casa em seus antigos vilarejos onde as tensões persistem. 

"Eu digo aos meus filhos que, quando chegar a hora de morrer, vamos morrer", diz Ana, uma mãe de sete crianças sentada no lado de fora de sua cabana improvisada. "Nós originalmente fugimos da cidade de Malakal. Aí, o conflito no ano passado nos obrigou a nos deslocar duas vezes, já que nossas casas foram destruídas". 

Em maio de 2017, mais de 38 mil pessoas fugiram da violência em direção a Aburoc. Mas quando chegaram, não havia abrigo, água ou comida. Conflitos entre o governo e as forças da oposição se aproximavam do local e a comunidade estava contemplando outro deslocamento. 

Nos meses seguintes, muitos foram em direção ao norte. O que restou foi um mercado, algumas lojas de chá, igrejas e até mesmo uma oficina de reparo de bicicletas. Tratores sobrecarregados do Sudão fornecem as barracas, mas o dinheiro para comprar bens é escasso.

A maioria das pessoas vive em abrigos e os telhados são feitos com folhas de plástico velhas. As coisas são apenas marginalmente melhores do que quando eles viviam ao ar livre. 

"Essa constante fuga de uma cidade para outra impactou a comunidade. Enquanto alguns estão planejando o futuro, outros ainda estão mentalmente e fisicamente exaustos pela tormenta do ano passado", afirma Paiva Dança, coordenador de MSF em Aburoc. "Alguns não podem pensar sobre o futuro. Eles provavelmente seguirão a decisão do grupo." 

A comunidade de 8.500 pessoas terá que tomar uma decisão séria nos próximos meses. Entre fevereiro e maio, a água se tornará escassa. A cara opção de transportar água do distante rio Nilo ainda é discutida pela comunidade humanitária e as autoridades. 

"Mesmo que algumas ONGs internacionais baseadas em Aburoc estejam correndo para fornecer água, é importante lembrar que há oito meses houve uma crise de cólera no campo. Se quisermos evitar novamente os surtos da doença, os padrões de quantidade e qualidade de água devem ser mantidos", diz Jaume Rado, coordenador-geral de MSF no Sudão do Sul. 

"A paz é fragil nesta parte do Sudão do Sul", afirma Jaume Rado. "Estes deslocados internos precisam se sentir suficientemente seguros com a decisão de voltar para casa quando chegar a hora. Até lá, eles devem poder ficar onde estão".

Hoje, há três opções para a comunidade deslocada atualmente em Aburoc. Eles podem permanecer, talvez por mais um ano, e potencialmente ver as condições se deteriorarem ainda mais com a diminuição de água limpa. Eles podem voltar para seus vilarejos e talvez enfrentar a mesma violência da qual fugiram. Ou, eles podem ir para o norte do Sudão, longe de amigos e familiares, onde as condições de vida nos campos de refugiados são difíceis.

Quando perguntada se ela iria embora, uma mulher disse: "O Sudão não é minha casa. Eu só vou para o norte se a condição da água ficar ruim. Caso contrário, vou ficar aqui." 

Mas em outro lugar, uma mulher tomou uma decisão diferente. "Eu voltarei para casa em meu vilarejo nas próximas semanas, independentemente do que aconteça. Era um bom lugar e minha família estaria melhor lá." Os amigos dela acenaram concordando.

Algumas organizações humanitárias estão começando a ir embora do local e se deslocar para outras emergências. Mas a comunidade ainda precisa de apoio, já que a vida em Aburoc é insustentável sem o fornecimento de alimentos, água, abrigo e assistência médica.

Mesmo agora com baixos níveis de alimentos, muitos deslocados internos têm que encontrar maneiras alternativas de obter uma renda para comprar o essencial. Alguns trabalham diariamente para ONGs, outros fazem e vendem carvão vegetal. Não é incomum ouvir sobre viúvas destilando e vendendo a bebida local, chamada Marrisa, por algumas libras sul-sudanesas.

As equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) estiveram com muitas dessas pessoas ao longo de sua jornada traumática. Dois de seus projetos, em Wau Shilluk e Kodok, foram destruídos pelos confrontos e, à medida que a população fugia, MSF a acompanhava. No início de fevereiro de 2017, um pequeno hospital de campanha foi aberto em Aburoc para atender a grande quantidade de pessoas.

"Nos primeiros dias, observamos, em sua maioria, pacientes com doenças respiratórias e diarreia, condições ligadas à exposição a esses elementos. Estávamos muito preocupados com os pacientes que precisavam de medicamentos, como aqueles que vivem com HIV", explicou Irenge Lukeba Landry, coordenadora de atividades médicas de MSF na época. 

"Com o melhor de nossas habilidades, iremos apoiar o direito de as pessoas ficarem em Aburoc ou retornarem às suas casas. Nesse caso, isso significa fornecer serviços médicos e humanitários onde as comunidades decidem estar", diz Jaume Rado. "Esperamos que outros grupos humanitários façam o mesmo."
 

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