Encurralados e esquecidos: onde podem os rohingya procurar segurança?

As pessoas rohingya estão cada vez mais encurraladas pelo conflito violento no estado de Rakhine, em Myanmar, e quem não consegue pagar para passar a fronteira para o Bangladesh fica sem qualquer proteção e assistência

© MSF, 2024

“Ouvimos explosões, tiros e gritos de pessoas”, relata Ruhul, a descrever o momento em que a vila onde vive, Buthidaung, foi atacada na noite de 17 de maio. “Eu e a minha família fugimos de casa no meio do caos, à procura de segurança nas colinas próximas.”

Ruhul é um jovem rohingya, que não recebeu cuidados médicos durante nove dias até conseguir atravessar a fronteira para o Bangladesh e chegar a um hospital da Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Cox’s Bazar. Conta como foi estar ferido e com medo durante dias: “Acabei por me separar dos meus pais [durante a fuga] e passei vários dias escondido na floresta com os meus primos e outros jovens, com fome e medo. Pisei duas minas terrestres; na primeira vez saí ileso, mas a segunda explosão arrancou-me o pé.”

Desde novembro de 2023, o estado de Rakhine (região historicamente conhecida como Arracão), em Myanmar, tem sido devastado por combates cada vez mais intensos entre as Forças Armadas de Myanmar e o Exército de Arracão. A violência extrema, incluindo o uso de armamento pesado, drones e ataques incendiários, destruiu aldeias inteiras, matou, feriu e forçou civis a deslocarem-se. Ambas as partes envolvidas no conflito estão a recrutar civis à força e a incitar tensões étnicas entre comunidades.

Esta violência está a ter impacto em vários grupos étnicos que vivem em Rakhine, no entanto, como um dos grupos historicamente mais perseguidos ao longo de décadas, a comunidade rohingya encontra-se muitas vezes sem saída no meio da violência.

Nos dias 17 e 18 de maio, em Buthidaung, casas e propriedades civis foram queimadas até ao chão, e milhares de pessoas rohingya – muitas que já tinham sido deslocadas de outras áreas – tiveram de fugir da vila.

Mojubullah é também rohingya e deslocado de Buthidaung no mesmo dia. “Um morteiro atingiu a nossa casa, matou a minha mulher e feriu várias outras pessoas”, conta. “Tomámos a dolorosa decisão de partir para o Bangladesh. Deixar para trás a nossa casa, o gado e as colheitas foi incrivelmente difícil.”

Em Maungdaw, 20 quilómetros a oeste de Buthidaung, os intensos confrontos entre as partes envolvidas no conflito aumentaram em maio e voltaram a escalar em agosto. Estes combates caracterizaram-se por ataques violentos contra grupos de pessoas rohingya, algumas das quais sobreviventes dos ataques de maio em Buthidaung.

Entre 5 e 17 de agosto, as equipas da MSF nos campos de refugiados em Cox’s Bazar, no Bangladesh, trataram 83 pacientes rohingya com ferimentos relacionados com a violência; 48 por cento eram mulheres e crianças. Estes rohingya relataram ter fugido de um ataque em Maungdaw e atravessado a fronteira.

Os pacientes que chegaram às instalações da MSF tinham ferimentos de armas de fogo, mutilações causadas por minas terrestres, ou encontravam-se em estado crítico devido à falta de medicação para tratar doenças com risco de vida, como o VIH ou a tuberculose. Estes medicamentos já não estão disponíveis em Rakhine.

Várias pessoas descreveram a jornada para passar a fronteira, que inclui a travessia do rio Naf, como tendo sido perigosa. Como a fronteira está oficialmente fechada, as pessoas são forçadas a pagar enormes subornos às autoridades, aos grupos armados ou a contrabandistas para atravessar.

“A jornada foi marcada por desafios a cada passo”, desabafa Mojibullah. “Encontrámos contrabandistas a exigir taxas exorbitantes por uma viagem de barco arriscada e enfrentámos hostilidade por parte dos guardas fronteiriços ao chegarmos ao Bangladesh. Apesar dos nossos pedidos de ajuda, incluindo para as necessidades médicas urgentes dos meus netos, fomos empurrados de volta para Myanmar.”

No Norte de Rakhine, o acesso a cuidados de saúde é quase inexistente. As instalações de saúde não estão funcionais, tendo sido danificadas pelos combates, não têm pessoal médico, que fugiu da violência, ou encontram-se sem provisões devido às dinâmicas do conflito e à incapacidade de obter autorização para mover os abastecimentos conforme necessário.

Em junho passado, a MSF foi forçada a suspender indefinidamente as atividades médicas e humanitárias em Buthidaung, Maungdaw e Rathedung, depois de o escritório e armazém médico terem sido incendiados. Antes desta suspensão, as equipas da MSF testemunharam ataques em áreas civis densamente povoadas, como mercados e aldeias, bem como ataques a instalações de saúde que ameaçaram as vidas de pacientes e de trabalhadores de saúde.

Os esforços feitos, se houverem, por parte das partes envolvidas no conflito para proteger os civis e cumprir as obrigações que têm ao abrigo do direito internacional humanitário são insignificantes.

O impacto desta falta de consideração pela vida humana é imenso. As equipas da MSF no Bangladesh receberam nas instalações da organização médica-humanitária 115 pacientes rohingya com ferimentos de guerra desde julho de 2024, incluindo homens, mulheres e crianças feridos pela violência extrema.

Apesar de os rohingya recém-chegados a Cox’s Bazar terem conseguido escapar da zona de conflito e obter algum nível de cuidados médicos, estas pessoas veem-se forçadas a esconder-se constantemente com medo de serem deportadas de volta para Myanmar. Ao mesmo tempo, enfrentam uma situação cada vez mais precária em campos onde 1,2 milhão de pessoas vivem atrás de cercas de arame farpado. Além do aumento da violência e dos raptos nos campos, incluindo para o recrutamento forçado para grupos armados em Myanmar, muitas pessoas vivem aterrorizadas e com ansiedade devido àquilo por que passaram e sobre o destino dos familiares tanto no Bangladesh como em casa.

Mesmo após chegar ao Bangladesh, Mojibullah ainda não encontrou alívio nas dificuldades que enfrenta. “A minha família e eu debatemo-nos para aceitarmos a perda de entes queridos e a incerteza do nosso futuro.”

De acordo com as Nações Unidas, aproximadamente 327 000 pessoas foram deslocadas no estado de Rakhine e em Paletwa, no estado de Chin, desde que o conflito em Myanmar foi retomado em novembro de 2023. Somando aos já antes forçados a deslocar-se, isto eleva o total de deslocados em Rakhine e Paletwa para mais de 534 000 pessoas.

A MSF insta as partes envolvidas neste conflito a cumprir as obrigações que têm ao abrigo do direito internacional humanitário e dos princípios de distinção, proporcionalidade e precaução. Isto inclui proteger os civis de ataques diretos e dos efeitos dos ataques, assim como a proibição de ataques indiscriminados. A organização médica-humanitária urge também as autoridades e todas as entidades em ambos os lados da fronteira a darem urgentemente prioridade à prestação de assistência humanitária e médica, de forma imparcial, a quem precisa.

Partilhar
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on print