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Condições insalubres em campos improvisados e políticas de dissuasão estão a prejudicar a saúde de jovens migrantes que procuram um futuro melhor
Quando se evapora o nevoeiro sob o Canal da Mancha, fica visível o destino final de uma dura viagem: a costa britânica, que se revela pelo horizonte, a 20 quilómetros de distância. Em França, Calais é a última paragem para mais de 1 000 migrantes que pretendem atravessar o canal, mas as condições são difíceis como sempre.
Casacos gastos em segunda mão, roupas húmidas com lama e um odor a madeira queimada: é assim que os refugiados, requerentes de asilo e migrantes enfrentam as duras particularidades do clima de inverno de Calais em campos improvisados, espalhados ao longo da costa francesa. Sudaneses, afegãos e eritreios: a maioria fugiu de guerras e de regimes ditatoriais opressores.
“Nós vamos embora, quando parar de chover.” É o plano de Mohammad, jovem com 17 anos que fugiu do regime talibã no Afeganistão. Está sozinho em Calais há vários meses, mas espera um dia chegar ao Reino Unido, onde tem família que o espera.
“Nalguns dias, quando chove demais, não temos outra escolha senão ficar o dia todo dentro da tenda, porque é difícil sair do acampamento com a lama e as poças que se formam por toda a parte”, explica Mohammad. “Quando está muito frio, nem sequer saímos para ir às distribuições de alimentos.”
Em 2016, foi demolido um bairro improvisado apelidado de ‘Selva’, que se estendia pela costa de Calais, através do qual cerca de 9 000 migrantes, refugiados e requerentes de asilo transitaram para o Reino Unido. Agora, dezenas de campos temporários alinham-se pelos arredores da cidade, junto a autoestradas, em zonas industrias e em edifícios em desuso.
O modelo de alojamento permanece insalubre: tendas fragéis para duas pessoas, que são montadas em torno de fogueiras onde as pessoas queimam lixo e madeira para se aquecerem. Algumas são levantadas em paletes para fazer um piso plano e elevá-las das poças, lama e lixo que abundam na área circundante. Não há água corrente, nem chuveiros, nem sanitas. As condições de vida são extremamente precárias.
De duas em duas semanas, a polícia vem aos locais realizar despejos violentos, dispersando as pessoas e confiscando-lhes as tendas, cobertores e pertences pessoais. É apenas uma prática das políticas de “anti-fixação” implementadas pelas autoridades francesas desde 2016, com o objetivo de impedir o estabelecimento de campos fixos em Calais.
“A polícia chegou às quatro da manhã”, conta um adolescente do Sudão. “As pessoas foram obrigadas a entrar num autocarro. Ainda não sabemos para onde as levaram. Não entrei no autocarro, escapei, porque não queria ir”, expressa ao mesmo tempo que revela que tem tido insónias devido à incerteza de saber se encontrará abrigo ou não à noite. “Já não tenho uma tenda e está muito frio. Não entendo porque é que a polícia está a fazer isso.”
Esse despejo narrado ocorreu na manhã de 30 de novembro em Calais. Ao amanhecer, mais de 600 pessoas, incluindo menores não acompanhados, foram acordadas pela polícia e ordenadas a abandonar as tendas onde viviam. Acordar assim tornou-se parte do quotidiano das pessoas em deslocação em Calais.
A polícia chegou às quatro da manhã. As pessoas foram obrigadas a entrar num autocarro. Ainda não sabemos para onde as levaram.” – Ahmed*, jovem migrante do Sudão
A polícia chegou às quatro da manhã. As pessoas foram obrigadas a entrar num autocarro. Ainda não sabemos para onde as levaram.”
– Ahmed*, jovem migrante do Sudão
Apesar de serem apresentadas pelas autoridades como “operações de realojamento”, os migrantes, refugiados e requerentes de asilo que as enfrentam consideram-nas deportações forçadas. Depois de serem obrigadas a sair das tendas, as pessoas são levadas para autocarros e levadas para centros de receção longe da costa. Algumas regressam a Calais alguns dias ou semanas depois na esperança de tentarem novamente a travessia para o Reino Unido.
“As pessoas estão exaustas física e emocionalmente por causa dessas operações”, avança Palmyre Kuhl, profissional da MSF. Para evitar que regressem aos mesmos locais, as autoridades cercam por vezes a área com grandes blocos de pedra. Após os despejos de 30 de novembro, cavaram uma trincheira para impedir o acesso de veículos de grupos da sociedade civil ou de organizações humanitárias como a MSF, que já administrava uma clínica móvel semanal no campo.
Em dezembro de 2023, a clínica móvel da MSF providenciou 189 consultas médicas em Calais e arredores, maioritariamente para problemas de saúde ligados às condições de vida das pessoas.
Nos últimos anos, as autoridades britânicas e francesas – com o apoio da União Europeia e vigilância aérea pela Frontex – cobriram a paisagem de Calais com arames farpados e câmaras de videovigilância de última geração. Não sucederam, porém, em dissuadir os migrantes. Em vez disso, incentivaram o tráfico humano, tornando as viagens das pessoas ainda mais perigosas.
“Com o pretexto de combater o tráfico humano e as redes de traficantes, estas políticas apenas encorajaram o seu desenvolvimento e aumentaram o sofrimento daqueles que arriscam a vida para chegar até à costa britânica”, sublinha o coordenador do projeto da MSF, Michael Neuman. “Essas pessoas, determinadas em obter segurança ou em reunirem-se com as famílias ou em conseguirem asilo, não têm outra escolha senão embarcar em barcos improvisados e viajar às escondidas em camiões, arriscando a vida para atravessar o canal da Mancha.”
Pessoas determinadas em obter segurança, ou em reunirem-se com as famílias, ou em conseguirem asilo, não têm outra escolha senão embarcar em barcos improvisados e viajar às escondidas em camiões.” – Michael Neuman, coordenador do projeto da MSF
Pessoas determinadas em obter segurança, ou em reunirem-se com as famílias, ou em conseguirem asilo, não têm outra escolha senão embarcar em barcos improvisados e viajar às escondidas em camiões.”
– Michael Neuman, coordenador do projeto da MSF
Na noite de 13 de janeiro, cinco sírios morreram num naufrágio em Wimereux, ao largo da costa de Calais, enquanto tentavam navegar um barco insuflável. Mohammad planeava também fazer-se ao mar num pequeno bote essa noite e tentar a travessia.
“Tentei atravessar o canal novamente”, recorda. “A água chegava-me ao peito. Eu e os outros passageiros tentávamos ligar o motor do barco quando vimos helicópteros a voar perto de nós. Apercebi-me logo que estávamos em sarilhos.”
Como o motor do barco não ligou, Mohammad regressou à praia. “Vi vários corpos na areia com lençóis a cobri-los. Vi uma pessoa estendida no chão e outra a tentar ressuscitá-la. Olhei para o rosto dela, tinha a boca aberta. Não consigo deixar de pensar que podia ter sido eu.”
Segundo o Observatoire des migrants morts à Calais, pelo menos 369 pessoas morreram nessa fronteira no Norte de França, desde 1999.
“No inverno, com a água a oito graus e ventos fortes ao longo da costa, os riscos de naufrágio, afogamento e hipotermia aumentam drasticamente”, assinala Ali Besnaci, que trabalha na coordenação do projeto da MSF. “E, no entanto, na fronteira franco-britânica, a abordagem securitária continua a dominar.”
O número de pequenos barcos que partem de Calais aumentou nos últimos anos, em grande parte como resultado da crescente inacessibilidade do porto de Calais e do túnel do Canal da Mancha às pessoas em deslocação.
Tornou-se mais complicado e perigoso viajar às escondidas em camiões, embora muitos migrantes, refugiados e requerentes de asilo que não conseguem arcar com o custo exigido pelos contrabandistas para uma travessia de barco ainda assumam o risco.
“Escondi-me sob os eixos de um camião frigorífico, mas percebi depois que não estava a ir para o Reino Unido”, disse Souleyman*, um menino de 14 anos do Sudão. Quando o camião parou, Souleyman avistou outro com uma placa de matrícula do Reino Unido, arrancou parte da lona e rastejou para dentro do reboque.
Descobriu mais tarde que esse camião também não seguia em direção ao Reino Unido. Quando Souleyman chegou a Bruxelas, regressou a Calais. Cansado e inquieto, ficou durante umas horas a descansar no centro de dia da MSF para menores não acompanhados na cidade.
“Disse-nos que, para ele, esconder-se em camiões em movimento tornou-se rotina”, partilha a educadora especialista da MSF Margaux Caron, que trabalha no centro. “Tentamos consciencializá-lo para os perigos, mas ele disse-nos que [no momento], estava muito focado em chegar ao Reino Unido.”
Confrontar os traumas da migração
As viagens em busca de segurança são, frequentemente, viagens onde as pessoas enfrentam violência extrema, naufrágios, acidentes e tentativas fracassadas de atravessar o canal. De abril a dezembro de 2023, a equipa da MSF forneceu 310 consultas médicas a menores não acompanhados: quase um quarto relatou sofrer violência física durante a viagem para Calais ou até mesmo na cidade.
Num pequeno-almoço distribuído pela associação Salam, uma organização que fornece apoio aos migrantes, incluindo ações de formação, aulas de línguas e apoio jurídico e psicossocial, um grupo de jovens partilha as experiências que tiveram enquanto bebem chá quente.
“A polícia furou-nos o barco e lançou gás lacrimogéneo para nos dispersar”, contou uma pessoa. “Um dos nossos amigos foi baleado na mão com uma flash-ball [um lançador de projéteis de mão usado pela polícia de choque].”
Na fila da clínica móvel da MSF, outro jovem relatou ter sido atingido por flash-balls nos membros direitos. “Ele não consegue perceber porque é que foi baleado”, conta a enfermeira Kuhl. “Tentámos encontrar alojamento onde ele pudesse recuperar as forças e evitar infeções, o que é inevitável com as condições dos campos de Calais.”
A viagem de Mohammad começou no Afeganistão e também foi marcada pela violência. Continuou a sofrer abusos físicos e verbais em Calais, particularmente nas mãos de traficantes de pessoas durante as cinco tentativas mal sucedidas de atravessar o mar.
“Temos de insuflar o barco, muitas vezes por várias horas, e depois ainda temos de carregá-lo para o mar. Ainda é um longo caminho, com imensas dunas e areia”, descreve Mohammad. “Se não ajudarmos, temos problemas com os contrabandistas, que ficam com raiva e insultam-nos.”
Os jovens sudaneses observados em clínicas da MSF mencionam frequentemente terem sido presos e torturados durante o tempo que passaram na Líbia. Os jovens afegãos falam da violência vivida no país de origem e às mãos das autoridades na fronteira entre a Sérvia e a Bósnia. “Como é que é possível estes jovens– alguns dos quais ainda são crianças – encontrarem-se agora sozinhos na lama e no frio de Calais?”, questiona Ali Besnaci.
Desde que a MSF abriu o centro de dia para menores não acompanhados em julho de 2023, a nossas equipa multidisciplinar, composta por um psicólogo, uma enfermeira, um assistente social e dois mediadores interculturais, prestou apoio a 231 jovens oriundos maioritariamente do Sudão e do Afeganistão, que fugiram desses países por causa da guerra e da insegurança.
Muitos desses jovens pediram às autoridades abrigo e proteção, mas foram recusados. “Descobrimos que quando um jovem quer ser abrigado, o pedido é muitas vezes rejeitado”, revela Besnaci. Apesar dos esforços da MSF para encaminhar essas solicitações de proteção e abrigo para serviços de proteção infantil, as nossas equipas registaram 103 pedidos de abrigo rejeitados.
Como é que é possível estes jovens– alguns dos quais ainda são crianças – encontrarem-se agora sozinhos na lama e no frio de Calais?” – Ali Besnaci, coordenação do projeto
Como é que é possível estes jovens– alguns dos quais ainda são crianças – encontrarem-se agora sozinhos na lama e no frio de Calais?”
– Ali Besnaci, coordenação do projeto
Para compensar a falta de apoio das autoridades locais, a MSF disponibilizou 20 alojamentos de emergência para menores não acompanhados e famílias até ao final de março.
“O Estado está a falhar o dever que tem de proteger”, conclui Besnaci. “Sem abrigo, os jovens são vítimas do mau tempo, da violência e das redes criminosas. Isso é completamente inaceitável.”
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