MSF intensifica ação no Amazonas com volta de atividades em Manaus

Colapso do sistema de saúde na capital tem forte impacto nos municípios do interior

Com o forte aumento do número de casos e mortes ocasionados pela COVID-19, Médicos Sem Fronteiras (MSF) está ampliando suas ações no estado do Amazonas. Equipes voltaram no início deste mês a atuar na capital, Manaus, e o trabalho nos municípios do interior onde a organização já estava presente está sendo intensificado.

O sistema de saúde da cidade entrou em colapso pela segunda vez no mês passado, com hospitais operando acima da capacidade máxima em função da escalada da doença. Como no Amazonas só existem leitos de UTI em Manaus, muitos pacientes do interior em estado grave ficaram sem a opção de receber atendimento na capital, por falta de vagas. A aceleração de contágios também resultou numa demanda por oxigênio muito superior aos limites de produção local, o que tem ocasionado mortes por falta do insumo.

“O que estamos vendo é uma saturação total da capacidade dos hospitais de Manaus de oferecerem atendimento médico”, explicou o coordenador de emergência de MSF no Brasil, Pierre Van Heddegem. “Há pacientes demais para leitos de menos. Isso tem impacto sobre todo o sistema de saúde do Amazonas, tanto da capital quanto no interior.”

Em Manaus, MSF retornou ao Hospital 28 de Agosto, onde já havia trabalhado em maio e junho do ano passado reforçando a capacidade de atendimento de doentes em estado grave. Desta vez, equipes de saúde mental estão dando apoio psicológico aos profissionais médicos e não médicos da maior unidade de saúde da rede pública do Amazonas.

No local, a rotina tem sido de convivência constante com dezenas de mortes diárias, sobrecarga de trabalho e temor de contágio.  “Temos observado que os trabalhadores do SUS  têm uma dedicação incrível, mas também percebemos que estão absolutamente exaustos”, relata a psicóloga de MSF Andréa Chagas. “Em muitos casos, não é possível encontrar em casa alívio para a angústia vivenciada no ambiente de trabalho, já que muitas pessoas têm parentes doentes ou perderam entes queridos. A velocidade e intensidade do que está ocorrendo não permite que haja espaço para elaboração de tantos sentimentos”, afirmou.

Na capital, MSF também colabora com o reforço da equipe médica da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) José Rodrigues. Com a crise sanitária, a UPA foi adaptada para focar nos atendimentos  de COVID-19. “A UPA estava totalmente sobrecarregada, com falta de médicos, enfermeiros e protocolos para cuidados intensivos”, relata o coordenador de MSF em Manaus, Fabio Biolchini Duarte. “Quando estivemos lá pela primeira vez, vi cenas que em oito anos trabalhando em MSF nunca tinha visto: a unidade tem 18 leitos e havia 45 pacientes. Praticamente toda a superfície do local tinha virado uma enfermaria de COVID-19”, disse. O trabalho realizado envolve médicos, enfermeiros e também apoio de saúde mental para os funcionários.

Outro eixo da atuação de MSF são ações de promoção de saúde a serem realizadas em pontos estratégicos da capital amazonense, com orientações de higiene e distanciamento social e realização de testes. O objetivo é permitir diagnósticos rápidos e acompanhamento dos pacientes que testem positivo para evitar que os casos sejam detectados já em estado grave.

Nestas ações, MSF vai utilizar testes rápidos de antígeno, capazes de detectar o vírus ativo, ou seja, se a pessoa efetivamente está com a doença O teste de antígeno é muito mais eficiente do que o teste de anticorpos (muito usado no Brasil). Isso porque uma pessoa que teste positivo para anticorpos pode não estar mais com o vírus ativo, já ter se recuperado e não representar risco de contágio. Com o teste de antígeno, são colocados em isolamento apenas os pacientes doentes, o que evita internações desnecessárias em um momento de grande escassez de recursos humanos e materiais.

No interior, cenário crítico

As ações de reforço dos atendimentos médicos, apoio em saúde mental e testagem nos dois municípios do interior do estado onde MSF está presente estão sendo intensificadas. MSF já havia estado nas localidades de Tefé e São Gabriel da Cachoeira durante a primeira onda da pandemia e retornou em novembro.

A única alternativa para pacientes do interior que vivem em localidades distantes vários dias por barco da capital e que necessitam de cuidados intensivos é o referenciamento por via aérea a Manaus. Com o colapso do sistema na capital, pacientes em estado grave têm de aguardar a abertura de alguma vaga. Muitos estão morrendo antes de conseguir a transferência.

Outro problema grave é a escassez de oxigênio. Em Tefé, os estoques estão sendo administrados dia a dia, sob constante ameaça de falta do insumo e consequente risco de morte de pacientes por asfixia.

Há também um aumento da demanda por atendimentos médicos. A capacidade do Hospital Regional, onde MSF trabalha apoiando a equipe da secretaria de Saúde, foi gradualmente ampliada de 27 para 67 leitos de COVID. A possibilidade de aumentar ainda mais o número de leitos esbarra em limitações de espaço físico, recursos materiais e humanos. No momento, há muita dificuldade para contratar profissionais de saúde, principalmente para trabalhar em regiões mais remotas.

As dificuldades de transferência para Manaus estão tendo um grande impacto sobre a situação dos pacientes em estado grave em Tefé, comprometendo suas chances de recuperação. “Muitas pessoas teriam tido uma chance de sobrevivência se tivessem sido transferidas, mas infelizmente estão morrendo”, lamenta Van Heddegem. Uma das iniciativas para tentar detectar os casos de maneira mais precoce, evitando que cheguem às unidades de saúde já em estado grave, é a doação de testes rápidos de antígeno a autoridades de saúde locais.

Em São Gabriel da Cachoeira, também no interior amazonense, MSF atende pacientes moderados em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) adaptada para receber casos de COVID-19. A organização também doou cartuchos para que exames PCR possam ser realizados em laboratório do próprio município. Também estão sendo aplicados testes rápidos de antígeno na UBS.

“Fazemos o acompanhamento dos casos positivos para recomendar isolamento, evitando a expansão dos contágios. Também buscamos identificar sintomas graves para que o tratamento possa ser fornecido o mais rapidamente possível”, explica Caroline Debrabant, coordenadora do projeto de MSF em São Gabriel da Cachoeira. Ela espera que essa estratégia de testagem e acompanhamento possa resultar em alívio para as estruturas de saúde locais.

Outra iniciativa de prevenção está sendo efetuada por equipes de promotores de saúde que visitam os chamados barracões, utilizados como alojamento pela população indígena que vai à cidade.  Nestes locais, estão sendo fornecidas orientações relativas a cuidados de saúde,  distanciamento social e distribuição de kits de higiene.

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