“O meu bebé estava no berço e morreu sob os escombros”: testemunhos do terramoto no Afeganistão

Em menos de um mês, a província de Herat foi abalada por três fortes sismos e inúmeras réplicas. Rabieh, Farhah, Hassan, Sangin e Abdul sobreviveram, mas num abrir e fechar de olhos as vidas deles mudaram para sempre. Familiares mortos, casas em escombros e nenhum lugar para onde voltar

Afeganistão - terramoto pessoas
© Paul Odongo/MSF

O hospital disse-nos para ir para casa, mas para onde voltamos? Não temos nada. Todas as casas da nossa comunidade ficaram destruídas.”

– Rabieh

 

Primeiro pensei que só a minha casa é que tinha sido danificada, mas depois a minha mãe e alguns familiares disseram-me que toda a cidade tinha sido arrasada. Depois, soube que tinha perdido o meu bebé.”

– Shamaeil

 

Ele estava a chorar, a dizer-me para voltar para casa porque tínhamos perdido muitos familiares. Quando lhe perguntei quem eram, começou a contar: a minha mãe, a minha filha de 9 meses, a minha irmã, a filha dele de 3 anos.

– Farhad

 

Desde 7 de outubro, a província de Herat, no Oeste do Afeganistão, foi abalada por três fortes terramotos e inúmeras réplicas.

Nos primeiros dias após o terramoto, o Hospital Regional de Herat, onde a Médicos Sem Fronteiras (MSF) presta apoio no departamento pediátrico, recebeu 540 pessoas feridas. Nos dias seguintes, os abalos continuaram: um segundo terramoto atingiu a província a 11 de outubro, e o hospital teve de atender mais 126 feridos. Quatro dias depois, um terceiro terramoto volta a provocar um elevado influxo de feridos e chegaram ao hospital mais 167 pessoas. As autoridades estimam que durante este tempo tenham morrido cerca de 2 000 pessoas, mas os números permanecem incertos.

Grande parte dos pacientes sofreu ferimentos leves e moderados e o apoio à saúde mental continua a ser uma grande necessidade. Muitas pessoas perderam familiares, casas e bens e pertencem a um restrito grupo de sobreviventes das comunidades onde viviam. As equipas da MSF têm visitado algumas das áreas mais afetadas fora da cidade para avaliar as necessidades médicas, incluindo o distrito de Zinda Jan.

Neste espaço, partilhamos algumas das histórias de pessoas que sobreviveram aos terramotos.

 

Rabieh Jamali

Testemunhos terramotos Afeganistão
Rabieh Jamali, de 37 anos, numa das tendas da MSF no Hospital Regional de Herat, onde está a receber tratamento. © Paul Odongo/MSF

A aldeia de Seya Hab, no distrito de Zinda Jan, onde vivia Rabieh Jamali, ficou destruída pelo terramoto. Está agora abrigada no recinto hospitalar com o pai, Gul Mohamed, e outros familiares que sobreviveram. Rabieh sofreu ferimentos na perna, na cabeça e nas costas. A família está no hospital há cinco dias e, apesar de terem tido alta, optaram por ficar nas tendas.

“Estávamos a acabar de almoçar quando se deu o primeiro terramoto, e o meu marido e a minha filha já tinham saído. Foi então que ouvimos um barulho forte, sentimos um tremor e tudo ficou negro. Acordei com pessoas a tirar tijolos de cima de mim e do resto da minha família. Nesse momento havia seis pessoas no quarto. A minha filha de 3 anos morreu.

Fui levada de helicóptero para um hospital militar onde passámos uma noite, antes de sermos trazidos para aqui [Hospital Regional de Herat]. O meu filho Amaleh tem 7 anos, não está em bom estado e estou preocupada com ele. Foi internado numa destas salas e o meu pai vai vê-lo. Perdeu a maioria dos dentes, tem o nariz partido e a cabeça está gravemente ferida.

O hospital disse-nos para ir para casa, mas para onde voltamos? Não temos nada. Todas as casas da nossa comunidade ficaram destruídas. As pessoas têm vindo às tendas ajudar-nos e dão-nos canecas, garrafas térmicas e cobertores. Mas precisamos de uma casa”.

 

Hassan Mirzai

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Hassan Mirzaie, 28 anos, e a filha dentro de uma das tendas da MSF no Hospital Regional de Herat, onde as vítimas do terramoto estão a ser tratadas. © Paul Odongo/MSF

Hassan Mirzai e a esposa, Shamaeil, de 25 anos, viviam na aldeia de Naieb Rafi, no distrito de Zinda Jan. Estão na tenda do hospital com a filha de 2 anos e a mãe de Hassan. Shamaeil ficou ferida quando a parede da casa desabou sobre ela: partiu a perna e magoou as costas. Estava grávida e prestes a dar à luz, mas perdeu o bebé. Hassan estava a trabalhar quando o terramoto de 7 de outubro destruiu a casa onde vivia.

Shamaeil: “A minha filha ficou coberta pelos escombros, mas felizmente não ficou ferida. Nós as duas ficámos presas. Quando nos tiraram dos destroços, eu estava a sangrar e perdi a consciência. Disseram-me que nos trouxeram até aqui de helicóptero.

Quando recuperei a consciência, já estava na maternidade. Tentei lembrar-me do que tinha acontecido. Primeiro pensei que só a minha casa é que tinha sido danificada, mas depois a minha mãe e alguns familiares disseram-me que toda a cidade tinha sido arrasada. Depois, soube que tinha perdido o meu bebé.

Muitas pessoas morreram no terramoto: o meu tio, o meu sobrinho, vizinhos e tantos familiares que nem sequer consigo contar. Também perdemos o nosso gado”.

Hassan: “Quando o helicóptero chegou, levou a minha mulher e minha filha, e eu cheguei mais tarde de ambulância. Descobri que as tinham trazido para esta tenda. Não nos disseram quando é que vamos poder sair do hospital, mas de qualquer maneira não temos uma casa para onde regressar.

A minha mulher tem dormido na tenda com um familiar nosso e a minha filha pequena, e eu durmo aqui fora.

Precisamos de cobertores, tapetes, uma tenda e uma casa. Com a chegada do inverno, precisaremos de gás ou de um fogão para aquecer a nossa casa e mantê-la segura e quente.”

 

Farhah Din

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Farhah Din Malik e a filha numa das tendas da MSF no Hospital Regional de Herat. © Paul Odongo/MSF

Farhah Din estava a trabalhar no Irão quando recebeu a notícia do terramoto através do irmão. Pôs-se imediatamente a caminho para estar com a família – a viagem demorou dois dias. Agora está numa das tendas de campanha da MSF com a irmã de 12 anos, a mulher, Madina, a mulher do irmão e outro familiar.

“Cheguei aqui ontem [quarta-feira, 10 de outubro] e estou a ajudar a tratar quatro pacientes. Trabalhei no Irão nos últimos nove meses como segurança. No sábado, 7 de outubro, tinha acabado de acordar depois do turno da noite e estava a tomar banho antes da oração, quando recebi um telefonema do meu irmão.

Ele estava a chorar, a dizer-me para voltar para casa porque tínhamos perdido muitos familiares. Quando lhe perguntei quem eram, começou a contar: a minha mãe, a minha filha de 9 meses, a minha irmã, a filha dele de 3 anos. Contou-me que a cidade inteira se tinha desmoronado. ‘Por favor, corre’, disse-me. E comecei a chorar.

Procurei um táxi para me levar a Teerão, para depois apanhar um autocarro para o Afeganistão. Demorei dois dias a chegar. Cheguei por volta das 23h e fui direto para a cidade. Não encontrei nada além de escombros. Passei lá a noite e cheguei ao hospital na manhã seguinte.

Quando cheguei ao hospital, fui à receção e disse-lhes o nome da minha família. Encontrei o meu irmão, abraçámo-nos e chorámos. Depois vim ver a minha mulher e a minha irmã”.

Madina*: “Estávamos na casa quando ocorreu o terramoto. O teto caiu e ficámos soterrados. O meu bebé de 9 meses estava no berço e morreu sob os escombros.

Tenho pontos na cabeça e dores nas costas. Trouxeram-nos até aqui de helicóptero. Hoje os médicos disseram que me queriam dar alta, mas não sei para onde ir.

O que mais precisamos agora é de um lar. O inverno é muito frio na nossa cidade e uma tenda não nos servirá de nada”.

 

Sangin

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Sangin, 26 anos, natural da aldeia de Noebe Fil, no distrito de Zindah Jan. Está a receber tratamento para uma fractura no braço e uma entorse no ombro. Quatro das irmãs morreram no terramoto. © Paul Odongo/MSF

Sangin vivia na aldeia de Naieb Rafi, no distrito de Zinda Jan. Tem um braço partido e uma entorse no ombro. Antes do terramoto, a namorada de Sangin aceitara casar com ele e o casal estava a poupar para o casamento.

As quatro irmãs de Sangin morreram no terramoto.

“Eram 11h30 da manhã quando senti um vento forte e o chão a tremer e depois toda a aldeia colapsou. Sobreviveram apenas algumas pessoas e ainda me pergunto se tenho sorte por estar entre elas.

Nessa manhã, estava a trabalhar na rua e tinha ido almoçar com a minha mãe e as minhas quatro irmãs. Quando estava prestes a ir embora, aconteceu o terramoto. Eu queria fugir a correr, mas fiquei preso quando a parede caiu em cima de mim. As minhas irmãs ouviram a minha voz e, enquanto tentavam fugir, o teto caiu em cima delas.

Gritei imenso e resgataram-me mais tarde. As minhas irmãs estavam mortas quando as tiraram dos escombros. Perdi a consciência e quando acordei, estava no hospital com uma ligadura e uma intravenosa na mão. Foi então que percebi o que realmente acontecera. Ainda ouço os tremores na minha cabeça.

Além das minhas irmãs, também perdi dois tios e uma tia. Os meus amigos, familiares e vizinhos: todos eles perderam entes queridos. Todas as pessoas com quem falamos perderam imensos familiares. Apenas uma das minhas irmãs sobreviveu porque estava na cidade de Herat na altura.

Sinto-me sozinho. Perdi quase toda a minha família mais próxima. Não sei o que fazer. Preciso de dinheiro para sobreviver, casar e construir uma casa. Sinto-me deprimido. A minha mãe está numa das salas, mas não sei em qual. O meu pai estava no Irão na altura do terramoto e ainda não o vi. Não sei onde ele está.

Ainda não me disseram quando terei alta, mas mesmo que me dêem alta, não tenho para onde ir. Um amigo disse-me que lhes deram tendas. Mas como se pode ver, não posso trabalhar agora e preciso de apoio. Preciso de um lar, comida…

A devastação causada pelo terramoto é tudo o que vejo: não consigo tirá-lo da cabeça por muito que tente”.

 

Sinto-me sozinho. Perdi quase toda a minha família mais próxima. Não sei o que fazer.

– Sangin

 

Abdul Salaam

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Abdul Salaam e a mãe vasculham os escombros daquilo que outrora era a casa onde viviam, para tentar recuperar tudo o que puderem. © Paul Odongo/MSF

Abdul Salaam é da aldeia de Sanjaib no distrito de Injil. Conta o que teve de enfrentar após o segundo terremoto.

O primeiro terramoto no sábado destruiu tudo nas aldeias vizinhas e matou muitas pessoas, mas nós salvámo-nos. No entanto, este segundo terramoto destruiu todas as nossas casas. Felizmente, ninguém morreu na nossa aldeia, já que estávamos todos a dormir lá fora quando aconteceu. Algumas pessoas ficaram feridas, como a minha irmã, que partiu a perna e está a ser tratada na cidade de Herat.

Perdemos tudo e não temos como viver. Perdemos o nosso gado, os nossos pertences e a nossa casa. Estamos a tentar recuperar tudo o que pudermos.”

 

*Nomes alterados para proteger o anonimato das pessoas.

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