Primeiro novo medicamento para tuberculose lançado em 50 anos pode ser desperdiçado

Caso da bedaquilina ilustra necessidade de troca de paradigma para o desenvolvimento de novos tratamentos e garantia de acesso a eles

30 de outubro de 2013 – Sem uma nova abordagem voltada para o desenvolvimento e para a precificação de novos medicamentos para a tuberculose (TB), a resposta global para a doença não será capaz de oferecer novas combinações necessárias para suprir as lacunas mortais no tratamento para a tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR), alertou a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) durante a Conferência Mundial da União Internacional em Saúde Pulmonar, em Paris.

“Se eu pudesse mudar qualquer coisa sobre ter TB seria o tratamento; se pudéssemos tomar medicamentos menos tóxicos e mais simples, regimes de tratamento mais curtos, haveria menos pessoas desistindo do tratamento e menos pessoas morrendo”, afirmou Phumeza Tisile, que recebeu o tratamento para TB por meio de um programa de MSF em Khayelitsha, na África do Sul.

Em dezembro de 2012, um período de 50 anos de inércia no que diz respeito à pesquisa e desenvolvimento voltados para tuberculose chegou ao fim com a aprovação, nos Estados Unidos, da bedaquilina, novo medicamento comercializado pela Janssen, subsidiária da Johnson & Johnson (J&J).

“É um marco importante para clínicos e pacientes, mas ainda não há espaço para complacência ou comemorações. O novo medicamento é, obviamente, benéfico, mas o que precisamos são novas combinações de medicamentos para tratar a TB-DR”, diz a Dra. Cathy Hewison, referente de TB para MSF. “Se não pudermos oferecer um regime totalmente novo aos pacientes nos próximos anos, que seja tolerável e mais efetivo, a oportunidade de melhorar radicalmente o tratamento para TB-DR será desperdiçada.”

A FDA, agência que regulamenta medicamentos e alimentos nos Estados Unidos, acelerou a aprovação da bedaquilina, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estruturou diretrizes rápidas para seu uso e a J&J pressionou para seu amplo registro. Esses são sinais de que o contexto de TB está pronto para responder rapidamente a novos medicamentos. Mas alcançar o objetivo de regimes inteiramente novos demanda uma mudança mais fundamental na forma como os medicamentos para TB são pesquisados e inseridos no mercado.

“Precisamos de muito mais pesquisa colaborativa o quanto antes, ao invés de companhias operando em diferentes vetores, e, para isso, vai ser necessário um comprometimento massivo da comunidade de pesquisa global, bem como uma significativa injeção de fundos em um momento em que o investimento global para pesquisa e desenvolvimento voltado para TB está diminuindo”, afirma Sharonann Lynch, consultora de políticas para a Campanha de Acesso a Medicamentos de MSF.

A OMS estima que menos de 20% dos casos de tuberculose resistente a medicamentos no mundo sejam diagnosticados e tratamentos. Devido à longevidade do tratamento, ao fato de ser árduo, caro e pouco efetivo, com taxas de cura estagnadas em cerca de 50%, intensificar o diagnóstico e o tratamento de TB-DR é extremamente difícil. Os países afetados devem ampliar esforços para diagnosticar e tratar e TB-DR hoje, para que programas robustos estejam estruturados para garantir o uso responsável e efetivo das novas combinações de tratamento, uma vez que estiverem disponíveis. Para isso, os países vão precisar de suporte, e, portanto, um Fundo Global de Combate a Aids, Tuberculose e Malária totalmente financiado será essencial.

“Precisamos também preparar o terreno para que os novos tratamentos sejam acessíveis. Os preços estabelecidos pela J&J para a bedaquilina submetem os países de renda média, alguns deles entre os mais afetados pela TB-DR, ao pagamento de US$ 3 mil para um curso de tratamento de seis meses”, conta Sharonann Lynch. “Isso é apenas para um medicamento. Tenha em mente que são necessários diversos medicamentos para que um tratamento seja efetivo. Se os custos das novas combinações dos tratamentos no futuro forem excessivos milhares de dólares mesmo para os países mais pobres, como acontece hoje, como eles conseguirão intensificar a oferta e expandir a cobertura?”
 
MSF é uma das maiores organizações não governamentais provedoras de cuidados para TB-DR. Em 2012, MSF tratou 29 mil pacientes para a TB em 30 países, e 1.780 pacientes para TB-DR em 18 países. MSF e a União Internacional de Combate à Tuberculose e Doenças Pulmonares divulgaram hoje o relatório “TB-DR sob o microscópio”  (DR-TB Drugs Under the Microscope, em inglês), que traz preços, fontes, acesso e cenário de P&D para os medicamentos de TB-DR.
 

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