Sobrevivendo em Gaza: as esperanças e os perigos de permanecer sob bloqueio

Ataques continuam mesmo após acordo de cessar-fogo; em Gaza, todos estão constantemente expostos às causas de traumas psicológicos, incluindo profissionais de saúde.

Sobrevivendo em Gaza: as esperanças e os perigos de permanecer sob bloqueio

Mohanned, de 12 anos, estava no carro com sua tia quando um ataque aéreo atingiu o bairro pelo qual eles estavam passando, em 11 de maio. Ele sobreviveu à explosão, mas sofreu vários ferimentos na cabeça, no braço e no abdômen por estilhaços. “Olhe para ele”, diz seu pai, Elsabea Musabeh, levantando a camiseta do filho para mostrar grandes camadas de curativo de gaze enroladas na cintura de Mohanned. “Ele é uma criança. O que fez para merecer isso?”

“Há uma guerra aqui a cada poucos anos”, continua Elsabea. “Estamos acostumados com isso – é apenas a vida. Não choramos mais por edifícios destruídos. Nossos filhos são nossa única preocupação”.

Já se passaram várias semanas desde que Mohanned recebeu alta do hospital. Alguns de seus ferimentos foram curados, mas o trauma psicológico da experiência ainda permanece. Ele não gosta de falar sobre o incidente, pois traz lembranças, conta Elsabea: “Ele se lembra de tudo”.

 

Agravamento da crise de saúde mental

Para a maioria dos palestinos em Gaza, os 11 dias de intenso bombardeio israelense em maio não foram a primeira vez que sofreram ataques aéreos. O trauma mental de temer por sua vida, de ver sua casa em ruínas e das dificuldades econômicas que acompanham essas experiências tem consequências de longo prazo para muitas pessoas, especialmente quando já há um trauma pré-existente de ondas anteriores de violência e da vida sob 15 anos de bloqueio. A última ofensiva agravou a crise de saúde mental em Gaza e tornou ainda mais difícil para as pessoas lidarem com a situação.


 

Quando sua casa foi bombardeada à noite, Salma Shamali, 36, seu marido e seus sete filhos conseguiram escapar. “Ouvimos pelo menos 15 explosões”, diz Salma. “Estávamos todos no mesmo quarto. As crianças dormiam. Em seguida, parte da casa caiu sobre nós. Ficamos confusos. Ninguém nos alertou ou nos disse para evacuar”. Eles levaram várias horas tropeçando no escuro para chegar a um lugar relativamente seguro, uma estação de ônibus próxima onde se abrigaram por cinco horas. De lá, seguiram para uma escola. Quando a família voltou para casa uma semana depois, eles descobriram que o lugar estava seriamente danificado e tiveram que alugar outra casa.
 

Ataques continuam mesmo após acordo de cessar-fogo

Apesar do acordo de cessar-fogo no mês passado, o governo israelense lançou ataques aéreos na Faixa em duas ocasiões desde então e o som intenso de drones no céu sobre Gaza não parou. Esse barulho atormenta as pessoas noite após noite, mantendo-as acordadas e em alerta. Os filhos de Salma se escondem toda vez que ouvem esse som agora. “Não queremos guerra”, dizem, chorando. Ela tenta manter a calma e não perder as esperanças.

Amira Karim, uma conselheira de saúde mental que oferece apoio psicológico a pacientes na clínica de MSF da cidade de Gaza, diz que histórias de pacientes afetados pelos recentes atentados – e particularmente experiências de crianças – desencadearam suas próprias memórias traumáticas. “Lembrei-me do medo extremo da morte”, diz Amira. “Recordei de como meus filhos me seguraram forte quando as bombas explodiram perto da minha casa à meia-noite. Foi diferente de tudo o que já havíamos vivido antes. Sentimos que aqueles eram os minutos finais de nossas vidas”.
 

Traumas psicológicos e resiliência das equipes de saúde

Em Gaza, todos estão constantemente expostos às causas de traumas psicológicos, incluindo profissionais de saúde. A resiliência das equipes é posta à prova diariamente. Enquanto ajudam outras pessoas, eles próprios são expostos a eventos traumáticos.


 

“Durante a última escalada de violência, fiz o meu melhor para oferecer apoio a todos que pude alcançar – meus pacientes, colegas, amigos e familiares”, disse o psicólogo de MSF Mahmoud Zeyad Awad. “Isso foi enquanto eu vivia a mesma experiência e processava a perda de dois de meus amigos. Ver os pacientes se sentindo melhor me dá forças para continuar fazendo este trabalho, mas tenho medo de falhar com meus pacientes ou de me tornar um”.

“Todos em Gaza são afetados”, disse o psiquiatra de MSF Juan Paris. Cerca de 40% dos jovens de Gaza sofrem de transtornos de humor, entre 60% e 70% passam por transtorno de estresse pós-traumático e 90% sofrem de outras condições relacionadas ao estresse. “O número de suicídios e tentativas de suicídio aumentou constantemente em 2020”, diz Paris, “mas eles são evidentemente subnotificados por causa do estigma em torno de questões de saúde mental na sociedade palestina”.

Para apoiar pacientes, funcionários e suas famílias, MSF ampliou seus serviços de saúde mental em Gaza. “As pessoas em Gaza são resilientes”, diz Paris. “Sua resiliência vem de um forte senso de compromisso com sua comunidade, mas ela está sendo testada diariamente, pois eles continuam sendo reexpostos a traumas. Eles têm que suportar isso para poder ajudar os outros”.

 

 

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