Apoio à resposta da COVID-19 em São Paulo

Psicóloga e supervisora de saúde mental, Hívina dos Santos Machado de Oliveira, compartilha um pouco sobre sua atuação com pacientes e seus familiares em projetos de MSF em resposta à COVID-19 em São Paulo

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“Minha chegada a MSF em São Paulo foi regada de afeto, acolhida pela comunidade que atendemos, um projeto em nosso país, na capital que tanto estudei suas nuances, culturas e pluralidades. As ações se iniciaram no famoso Pelezão, um clube recreativo do município de São Paulo, um local que costumava chamar carinhosamente de “Verde Acolhedor”, com suas inúmeras árvores e pássaros. Estrutura montada em um ginásio, onde todos podem pensar ser um local frio e sem afeto, mas era regado de histórias, de vivências, de laços. Pude escutar a troca das experiências da população em situação de rua que ali se encontrava, sob suspeita ou casos confirmados de COVID-19, que em meio às crises de abstinências, se estabeleciam os vínculos. Vivenciei a importância da rede de apoio entre eles, que protege, que traz afago às noites escuras e acolhimento às violências advindas do cenário desumano dos cantos amargos do desespero, dos vícios e das rupturas.

Dali seguimos para um novo projeto, a UTI da COVID-19, em um grande Hospital da capital paulista, o objetivo da psicologia neste contexto era ser o elo entre pacientes em estado grave e seus familiares. Neste hospital, ficamos pelo período de 3 meses, o período mais intenso. Eu via nos olhos de cada paciente a esperança em superar aquele pesadelo. Um dia, um novo dia tomado de emoção, dor, sofrimento, alegrias e vitórias, atendendo um paciente, que olhava de maneira penetrante, segurava minhas mãos e pedia para não deixá-lo no ato da intubação. Ao lado dele, uma paciente linda de cabelos roxos, toda charmosa, trocava olhar comigo como forma de encontrar na palavra a esperança em meio ao caos instaurado. Era um dia de turbulência, todos os dias tínhamos um momento para discussão dos casos, com o objetivo de traçar metas de cuidado interdisciplinar. Neste dia, todos os nossos pacientes estavam em estado grave, com AVC, com IOT (intubação), com necessidade de VNI (Ventilação Não-invasiva) e muitas Pronas (uma posição, de bruços, em que colocam pacientes com COVID-19 para expandir o pulmão).

Desejávamos, junto aos familiares, a melhora do quadro clínico de cada um deles, enquanto todos da equipe lutavam diariamente para combater o invisível. Na UTI, utilizávamos de manejo terapêutico a música, a dança, a risada, as histórias e, permeada pela angústia, o momento mais esperado do dia, as visitas virtuais. Era um momento de muitas emoções, da netinha de 3 aninhos pedindo para o vovô melhorar para ir à “plaia”, da filha lembrando dos abraços, da esposa chorando ao ver que a barba foi feita, como sinal de melhora no humor. Aaaah e as cartinhas que líamos aos pacientes intubados, elas faziam todos da equipe chorar. E aquele áudio da filha de 11 anos, cantando para o pai que estava intubado, um jovem de 48 anos. Quantos laços criamos e regamos de carinho.

Também ríamos e chorávamos ao mesmo tempo de emoção a cada alta, a cada paciente que superava aquele invisível tão devastador, os olhares de gratidão dos familiares… Ah, aqui também destaco uma filha, lembra daquela senhora de cabelo roxo, essa mesmo, a toda estilosa? Em meio ao caos da internação da mãe, ela passava por um momento conturbado de ansiedade, medo, angústia e incertezas, e estávamos ali, todos os dias, com os familiares, buscando proporcionar acolhimento e escuta dos sentimentos que pairavam.

A passagem pela vida de cada um dos nossos pacientes e familiares denotam a importância das ações de MSF nos territórios com índices de vulnerabilidade e risco social. Desenha o recorte e a supra importância das ações em saúde mental nos projetos.

Deixo meu agradecimento aos pacientes que me ensinaram o desejo pela vida, aos familiares que me mostraram o quão forte podemos ser e a MSF pela oportunidade de realizar tantas trocas de saberes.

Estive em projetos da COVID-19 em São Paulo e em Manaus, no Amazonas, como Psicóloga, e, em Tefé, como Supervisora de Saúde Mental, por quase 1 ano”.

Para atuar no combate à COVID-19, em 2020, MSF mobilizou um volume inédito de recursos humanos e materiais no país. Foi a maior operação de Médicos Sem Fronteiras (MSF) até hoje no Brasil. Em São Paulo, nossas equipes prestaram assistência médica em favelas e regiões da periferia do município, realizando consultas e diagnóstico da COVID-19, com orientações sanitárias e encaminhamento de casos moderados para centros de isolamento e pacientes graves para hospitais.

Até o início de outubro de 2020, também apoiamos oito leitos da UTI do Hospital Tide Setúbal, na zona leste da capital, e, em novembro, prestamos cuidados paliativos para aliviar os sintomas de pacientes em estado crítico que não apresentavam boa resposta ao tratamento. Depois de obter resultados positivos com a melhora dos índices de recuperação de pacientes na UTI, a gestão dos leitos foi transferida ao próprio hospital. Mas passamos a trabalhar na mesma unidade, em novembro do mesmo ano, com a prestação de cuidados paliativos. Os cuidados foram oferecidos de forma complementar para alívio de sintomas a pacientes em estado grave que não apresentavam boa resposta ao tratamento.

Desde o início da pandemia, já atuamos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas, Roraima, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Rondônia, Pará, Ceará, Paraíba e Bahia.

 

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