Levando cuidados de saúde a comunidades isoladas

A enfermeira Ana Claudia Barreto relata como foi sua experiência na cidade de Portel, no Pará.

Levando cuidados de saúde a comunidades isoladas

“Em julho deste ano, me juntei à equipe de MSF que estava atuando desde maio em resposta à COVID-19 no munícipio de Portel, no estado do Pará. Era um projeto de emergência, que geralmente se caracteriza por ser mais curta e um pouco mais intensa. Atuei como gerente de atividades de enfermagem e líder de equipe no projeto no rio Anapu.

Saindo do Rio de Janeiro, parei por algumas horas na capital Belém para aguardar a segunda etapa, que seria realizada em aproximadamente 19 horas de barco, a forma mais utilizada para chegar ao município de Portel. As horas no barco foram cruciais porque fui acompanhada da médica referente do projeto (PMR), recebendo e discutindo todas as informações necessárias da estratégia escolhida para intervir na comunidade.

Na chegada à Portel, levamos algumas horas para encontrar a equipe e fazer os preparos necessários para sair na manhã seguinte em uma missão exploratória, que ocorreria em um dos quatro rios que cortam a cidade, o Anapu.

Saímos na madrugada para abastecer os barcos com insumos necessários. Éramos uma equipe multidisciplinar, três barcos e uma voadeira (lancha rápida), que seriam utilizados para nossa locomoção ao longo do rio e também onde moraríamos por 10 dias com nossas redes em cada trapiche, tendo autorizações prévias das lideranças locais.

No caminho para a comunidade, algumas memórias afetivas pessoais me abraçaram enquanto nossos barcos se moviam por horas até alcançar nossa primeira comunidade. Há 15 anos, eu havia saído de casa para viver minha primeira experiência voluntária, também com a população ribeirinha no norte do Brasil. Na época, eu ainda não sabia que seria enfermeira, mas já era tomada por uma inquietação barulhenta de querer atuar com populações vulneráveis e sabia que, para isso, precisaria de ferramentas.

No mesmo ano, decidi voltar para casa e ingressar na faculdade de enfermagem. Essa é uma história longa, mas como você já pode imaginar, fez com que o retorno à população ribeirinha tornasse essa experiência um pouco diferente das outras que já tive.

Meu primeiro projeto em resposta à emergência sanitária da COVID-19 foi em uma clínica móvel voltada à população em situação de rua, no Rio de Janeiro. O segundo, com comunidades rurais vivendo remotamente em um dos países da África Oriental, com uma clínica móvel em um caminhão-clínica. Desta vez, em um barco, para população tradicional ribeirinha. Em todas as intervenções dessa experiência no rio Anapu, ainda que o foco principal fosse o rastreio e o manejo dos casos de COVID-19 identificados, nós esperávamos lidar também com demandas relacionadas à atenção primaria de saúde.

Quanto à COVID-19, nas comunidades do rio Anapu, alguns relatados pelas lideranças de saúde eram as dificuldades de acesso da população ribeirinha ao serviço médico e testagem. Devido à ausência de recursos financeiros, a maioria não conseguia transportes ou combustíveis para ir para a cidade e ser testada. Outros desafios estavam relacionados à distância entre as casas e a Unidade Básica de Saúde (UBS), que às vezes durava até 3 horas de barco.

Algumas localidades não possuíam UBS, e as que tinham eram gerenciadas apenas por um técnico de enfermagem que, com braveza e excelência, se esforçava para atender às demandas. De acordo com relatos locais, algumas comunidades não viam médicos havia muito tempo.

Nossa clínica móvel estava equipada com insumos para resposta à COVID-19 e também para intervenções na área de atenção primária à saúde. Clínica montada, equipes a postos e rapidamente um grande número de pacientes começava a chegar. Alguns caminhando, mas a maioria vinha em caravanas organizadas em barcos ou voadeiras. Nossas equipes estavam muito felizes porque, apesar das dificuldades de comunicação devido à distância entre as casas e comunidades ao longo do rio, as famílias estavam chegando.

Existia uma grande demanda na atenção primária, que envolvia, por exemplo, doenças da pele, complicações gastrointestinais diante das dificuldades de água e saneamento, doenças tropicais, desnutrição, imunização, saúde sexual e reprodutiva. Essas foram algumas das bandeiras vermelhas que foram identificadas durante nosso trabalho no rio Anapu.”
 

 

Em Portel, no Pará, as comunidades são historicamente negligenciadas quanto ao acesso ao sistema de saúde, principalmente pelas dificuldades de locomoção impostas pelos rios. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município tem um dos piores índices de desenvolvimento humano (IDH) do Brasil. Levando em consideração tal contexto, enviamos uma equipe de saúde abrangente a essas comunidades rurais.

Nosso objetivo era reforçar mensagens informativas e ações de enfrentamento da COVID-19, mas também oferecer assistência para outras doenças que pudéssemos encontrar. Durante junho e julho de 2021, nossas equipes também ofereceram treinamentos a profissionais de saúde do município, abordando temas como protocolos de controle e prevenção de infecções, fluxo de pacientes em instalações de saúde e mensagens de prevenção e promoção de saúde. Após concluir as atividades médicas em Portel, MSF entregou às autoridades de saúde do município um relatório com conclusões e lições aprendidas durante o projeto.

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