“A Covid-19 é um apelo nos convocando à noção de comunidade”

Gabriel Naumann trabalha com MSF no Líbano e fala sobre a necessidade de um esforço coletivo para o combate da atual pandemia

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Estamos vivendo uma pandemia e acho que a noção de fronteira nunca se mostrou tão frágil. Não importa onde você esteja neste momento (espero que na sua casa, não importa onde ela seja!), você está “vivendo” a Covid-19. O noticiário sem parar, os telefonemas dos parentes e amigos preocupados, as mensagens no WhatsApp (atenção às fake news e se atenham a recomendações oficiais de instituições de saúde, como Médicos Sem Fronteiras). Somos todos vítimas e atores do mesmo drama – e que grande drama este que vivemos.

Antes de vir para o projeto de MSF no Líbano, trabalhei também no departamento de comunicação de MSF-Brasil. Recebíamos felizes os diários de bordo dos profissionais brasileiros pelo mundo. O formato é livre; em geral, nos enviam sua impressão sobre aquilo que viveram, uma história marcante, algo único e diferente que experimentaram, um encontro potente, uma lembrança. Histórias reais, formas de conexão em momentos inesperados ao redor do mundo (que é redondo, sim) e convites a um pequeno infinito particular. Mas o que acontece quando a história é de todos e todas? Quando a história é comum? Quando ela não é limitada a um momento/lugar/dia do mundo? Quando somos todos atravessados pelo mesmo golpe?

A Covid-19 é um apelo nos convocando à noção de comunidade. Convoca a reconhecer nossas fragilidades e privilégios. Convoca a olhar para o lado e entender o coletivo como única saída possível (apesar da quarentena, nunca estivemos tão juntos).

Cheguei a Beirute no início de fevereiro. Estamos em meados de março e já estou sendo realocado para o time de emergência local. Restrições de movimento afetam nossa capacidade de responder em termos de recursos humanos e suprimentos – estamos a postos 24 horas por dia, 7 dias por semana.

O olhar das pessoas no campo de refugiados palestinos de Shatila é de medo. Sem nenhuma surpresa, estamos todos com medo – o ineditismo tem disso, pode ser aterrorizante. Para mim, abraçar o medo é o primeiro passo, o segundo se dá a partir daí. E emergências em MSF não têm tempo para medo paralisante, ainda mais em contextos onde pessoas mal têm acesso à água corrente para lavar as mãos ou condições próprias para isolamento, como Shatila, ou muitos outros campos de refugiados no mundo.

Para as pessoas nesses locais, a única chance é se todos os outros que podem ficarem em casa. Com todas as restrições e possibilidades de saturação do sistema de saúde, o que mostrou-se claro foi a necessidade de contenção do contágio. Aprendemos, sim, com o passado. Repetir feito mantra: ficar em casa, lavar as mãos, mandar uma mensagem de encorajamento a um profissional da saúde, o coletivo é a única saída possível.

De fato, a Covid-19 é uma história que vai entrar no diário de todos nós. Onde quer que você esteja, onde quer que seja sua casa, essa história só tem uma forma de ser escrita: juntos.  

 

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