Dois anos e muita história para contar – Parte 2

Um resumo de dois anos com MSF em dois países e três projetos diferentes

Dois anos e muita história para contar - Parte 2

A arquiteta Viviane Mastrangelo conta, num relato escrito em 01 de setembro, como foram seus dois anos trabalhando com MSF em três diferentes missões. Neste segundo texto, ela fala sobre o Sudão do Sul e suas reflexões sobre o quanto mudou desde que começou a trabalhar com ajuda humanitária.  

Por fim, o campo de Doro, em Maban, no Sudão do Sul. Vou escrever mais sobre esse trabalho em outro diário de bordo, mas queria abordar aqui as diferenças e similaridades.

Esse foi um trabalho para a construção de uma maternidade em um campo de refugiados longe da capital. Quase uma misturinha perfeita dos meus dois primeiros projetos. Porém, aqui os deslocados não são internos. A maioria dos refugiados de Doro está fugindo dos constantes conflitos na região do estado do Nilo Azul, no Sudão. E, por conta disso, eu pude notar diferenças consideráveis entre os dois campos. Enquanto em Bangui os deslocados eram quase todos da cidade de Bangui mesmo, em Doro diferentes tribos habitam hoje lado a lado. E eles têm culturas e línguas diferentes – entre si e entre os refugiados e a população mabanese local.  Isso acarreta em conflitos internos dentro do campo e entre refugiados e mabaneses. Por conseqüência, as regras de segurança que tínhamos que seguir já não eram como em Bangassou, mas muito mais próximas de Bangui, com áreas interditadas, movimento apenas de carro e uma dificuldade maior de contato direto com a população fora do nosso trabalho.

As dificuldades de acesso eram as piores com que trabalhei até então. Todo nosso material vinha da capital por avião. Muito pouco material estava disponível no mercado local e raros eram os funcionários que falavam inglês além do básico quase incompreensível. Mão de obra qualificada para construção então era praticamente inexistente. Porém, com certo esforço e muita mímica, aprendemos que muitos dos funcionários contratados para executar funções básicas, como transporte de materiais, tinham sido, antes de fugirem de seus locais de origem, professores ou comerciantes. É surpreendente a força desse povo.

Acho que essas são algumas diferenças e similaridades entre os projetos. Mas também temos as diferenças entre Viviane 2015 e Viviane 2017.

A Viviane 2015 não tinha muita idéia do que estava fazendo. Levou quase um mês para arrumar a mala, levou um monte de tralha e esqueceu coisas importantes como quantidade de sabonete suficiente. Viviane 2015 deixou as bolsas jogadas no aeroporto de Casablanca e quase foi assaltada. Ela achava que ia perder muitos quilos trabalhando em lugares inacessíveis da África – quem não acha? Ela tinha uma paixão incontrolável pelo trabalho e achava que podia fazer a diferença.

A Viviane 2017 ficou mais safa. Já sabe a quantidade de shampoo, sabonete e hidratante que precisa para um mês. Sabe que meia branca ou preta mistura com a de todo mundo e o segredo é levar meia bem colorida. Ela ficou mais desconfiada do mundo, o que pode ser bom para sua própria segurança, porém desconfiança demais atrapalha também, né? Ela sabe como fazer instalação de um sistema de comunicação via satélite, além de saber como fazer tratamento de água em situações de emergência. Já aprendeu que dieta existe em qualquer lugar do mundo, mesmo com a família de vermes que viraram inquilinos da sua flora intestinal. Além disso tudo, ela continua com uma paixão incontrolável pelo trabalho, apesar de entender que as vezes a diferença que fazemos é menor do que imaginávamos e essa diferença pode aparecer em lugares onde não esperávamos. Mas a paixão ainda existe e vale todo o esforço.

Perdeu a primeira parte do diário de bordo da Viviane? Clique aqui e saiba tudo sobre o início de seu trabalho com MSF.

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