Ajudar as grávidas a chegarem aos hospitais a tempo

A demora para chegar a cuidados médicos adequados é um dos fatores que contribuem para a elevada mortalidade materna na Serra Leoa. Para aliviar este impacto, equipas da Médicos Sem Fronteiras (MSF) prestam serviços de saúde que incluem cuidados de urgência e um serviço de ambulâncias

© Saidu Bah

As distâncias são grandes na Serra Leoa para as grávidas conseguirem chegar ao centro de saúde mais próximo. E isto significa que, em gravidezes que requerem atenção médica urgente, o que se enfrenta é frequentemente a impossibilidade ou grandes dificuldades para pagar o custo dos transportes e alcançar atempadamente as estruturas de saúde. A pobreza é uma das grandes barreiras para aceder a cuidados maternos no país, onde a mortalidade materna é elevada.

“Quando entrei em trabalho de parto, pus-me a caminho do centro de saúde mais próximo, mas aí comecei a sentir que um dos meus dois bebés estava a nascer. Estendi o meu pano debaixo de uma mangueira e pari ali mesmo sozinha”, recorda Musa Yahyah. “Uma parteira tradicional ajudou-me no parto do segundo bebé, ainda sob a mangueira. Depois chamou uma moto-táxi para me levar e aos meus gémeos ao hospital para mães e crianças que a MSF tem em Hangha, porque eu estava a sangrar muito”.

Musa Yahyah recebeu uma transfusão de dois litros de sangue. “E então tanto eu como os meus bebés, finalmente, estávamos bem”, conta.

A parteira Mariama Vandi e a enfermeira Watta Koroma usam um eco doppler para ouvir o batimento cardíaco de uma grávida. © Saidu Bah, 2023.

Apesar de se terem verificado grandes progressos já este século, em 2020 a Serra Leoa era ainda o 18º na lista de países com o número mais elevado de mortes de mulheres durante o parto, com umas estimadas 443 mortes maternas por 100 000 nados vivos, segundo dados da Organização Mundial de Saúde. Muitas mulheres na Serra Leoa vivem em áreas rurais e remotas, longe de estruturas de saúde, e não têm meios para pagar os dispendiosos custos dos transportes para chegar a um hospital.

 

Os encaminhamentos tardios podem ser fatais e há algumas complicações médicas que podiam ser evitadas se as mulheres com urgências obstétricas conseguissem chegar a estruturas de saúde a tempo” – Amadu Musa, enfermeiro no hospital da MSF.

 

Isto é agravado pelas más condições das estradas, pela escassez de ambulâncias em todo o país e por uma falta de mecanismos adequados de encaminhamento de pacientes. Quando uma grávida que está a passar por complicações no parto consegue alcançar finalmente um hospital, pode ser já tarde demais.

“Os encaminhamentos tardios podem ser fatais e há algumas complicações médicas que podiam ser evitadas se as mulheres com urgências obstétricas conseguissem chegar a estruturas de saúde a tempo”, frisa o enfermeiro Amadu Musa, que trabalha no hospital da MSF para mães e crianças em Hangha, no distrito de Kenema. “Tivemos uma paciente vinda da aldeia de Daama, a cerca de duas horas de distância do nosso hospital, que estava grávida e foi encaminhada muito tarde. Quando os médicos fizeram o exame, viram que o bebé não tinha batimentos cardíacos. E a mãe estava muito anémica e em estado crítico”, descreve.

Serra Leoa - Saúde materna
A unidade especializada em cuidados para bebés do Hospital governamental de Magburaka. © Saidu Bah, 2023.

As equipas da MSF em Kenema levam a cabo cesarianas de urgência e outras cirurgias que salvam as vidas de grávidas e de mulheres que tiveram bebés recentemente. As equipas da organização médica-humanitária trabalham também em dois outros locais na Serra Leoa – em Mile 91 e em Magburaka, no distrito de Tonkolili, onde ajudam os profissionais de saúde locais a darem resposta a emergências médicas maternas e pediátricas. Nos primeiros sete meses de 2023, as equipas em Kenema, Mile 91 e Magburaka assistiram o parto de 3 326 grávidas, 505 das quais em cesarianas de urgência.

 

Serviço de ambulâncias que salva vidas

O trabalho desenvolvido pela MSF na Serra Leoa inclui ainda um serviço de ambulâncias para fazer com que mulheres e crianças que necessitam de cuidados urgentes cheguem aos hospitais o mais depressa possível.

“Há uma necessidade significativa de ambulâncias para transferir as grávidas com complicações desde as clínicas locais até aos hospitais”, alerta o coordenador médico da MSF Kennedy Uadiale. “Um bom sistema de encaminhamento é crucial e tem de ser uma prioridade, de forma a garantir a diminuição da mortalidade materna e neonatal e salvar mais vidas.”

Entre janeiro e julho de 2023, as oito ambulâncias do serviço da MSF transferiram 372 grávidas e mulheres que tiveram bebés recentemente, junto com os filhos, para receberem cuidados de urgência em hospitais. As mulheres apresentavam uma série de condições potencialmente fatais, incluindo hipertensão induzida pela gravidez, hemorragia pós-parto, anemia durante a gravidez e hemorragia pré-parto.

A MSF também reembolsa as mulheres pelos custos dos transportes em moto-táxi, que é o único transporte alternativo disponível na maioria dos locais para chegar às unidades de saúde, tendo pago 900 deslocações nos primeiros sete meses de 2023.

 

“Caminhar duas horas e atravessar um rio”

Umo Ngamanga, de 18 anos, é do distrito de Moyamba, no Sul da Serra Leoa. Teve o parto do primeiro bebé em casa porque não tinha maneira de chegar a tempo ao centro de saúde que lhe estava mais próximo. “Comecei a sentir as dores do parto de noite, mas para chegar ao centro de saúde em Foindu, que fica a dez quilómetros, é preciso caminhar durante duas horas e atravessar um rio”, explica.

Serra Leoa - Saúde Materna - UMO
Umu Ngamanga, com o filho recém-nascido ao colo. No fundo, o rio Tiama, que teve de atravessar para chegar à instalação de Foindu, apoiada pela MSF. © Saidu Bah, 2023.

“O meu bebé não conseguia mamar e estava com febre, por isso, no dia seguinte, levei-o a Foindu. E ele foi logo levado de moto-táxi para o Centro de Saúde Comunitário Hinistas e daí seguimos numa ambulância da MSF para o hospital de Magburaka. Após ser tratado, ficou melhor e então pude trazê-lo de volta para casa”, regozija-se a jovem mãe.

 

 

Comecei a sentir as dores do parto de noite, mas para chegar ao centro de saúde em Foindu, que fica a dez quilómetros, é preciso caminhar durante duas horas e atravessar um rio” – Umo Ngamanga, paciente assistida pela MSF.

 

Neste projeto, a MSF também treina assistentes de parto tradicionais no distrito de Kenema para que saibam monitorizar as grávidas e estejam alerta a sinais de risco, e as encaminhem para o centro de saúde mais perto, de forma a receberem cuidados médicos, ou chamem uma ambulância para as levar até ao hospital caso requeiram cuidados avançados.

As atividades da MSF no apoio prestado a mães e crianças na Serra Leoa são fundamentais, mas muito mais é preciso para o país continuar a progredir como nos últimos 23 anos. “A programação de saúde no país tem de incluir pessoal, manutenção e custos de combustível para as ambulâncias que existem nos Serviços Nacionais de Emergência Médica”, sustenta o coordenador-geral da MSF na Serra Leoa, Mohamed Morchid.

E avança ainda: “É também importante ter em conta modelos criativos e sustentáveis de apoio às necessidades de transportes de emergências desde as casas das pacientes até às estruturas de saúde que lhes estão mais próximas. Esta continua a ser uma das principais barreiras identificadas pelas nossas pacientes no que se refere ao acesso a cuidados médicos de qualidade. Por isso, encorajamos o Ministério da Saúde e do Saneamento, assim como os parceiros e partes interessadas nas áreas da saúde e do desenvolvimento, a fazer investimentos adicionais nos transportes de urgência. Isto ajudaria a salvar muitas mais vidas.”

 

Em Mile 91 e na vila de Magburaka, no distrito de Tonkolili, as equipas da MSF trabalham com o Ministério da Saúde e do Saneamento para providenciar cuidados de saúde a mulheres e crianças em centros de saúde locais e no hospital de Magburaka. E no distrito de Kenema, a MSF finalizou em 2019 a construção de um hospital para mães e crianças em Hangha, onde as equipas da organização médica-humanitária prestam cuidados abrangentes de emergência obstétrica e neonatal. No hospital regional de Makeni, no distrito de Bombali, a MSF providencia tratamento para pacientes com tuberculose resistente a medicamentos. A MSF trabalha na Serra Leoa desde 1986.

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