COVID-19: cinco desafios para conter a pandemia em Bangladesh e nos campos de refugiados rohingyas

Condições de vida insalubres, desconfiança da comunidade e falta de profissionais e equipamentos são algumas das dificuldades

COVID-19: cinco desafios para conter a pandemia em Bangladesh e nos campos de refugiados rohingyas

Um dos países mais densamente povoados do mundo, Bangladesh também abriga um dos maiores campos de refugiados do mundo. Em Cox’s Bazar, quase um milhão de refugiados rohingyas vivem em condições de superlotação e insalubridade. À medida que a COVID-19 se espalha por Bangladesh, descrevemos abaixo cinco desafios a serem superados.

1. Populações altamente vulneráveis

Em Bangladesh, muitas das comunidades mais pobres enfrentam uma existência precária em ambientes superlotados, o que as torna particularmente vulneráveis à COVID-19. Muitos bengaleses vivem em centros urbanos e favelas densamente povoados e os refugiados rohingyas estão presos em abrigos apertados e esquálidos, onde muitas vezes moram 10 membros de uma família em um único quarto.

Manter o distanciamento físico nesses contextos é quase impossível. Nos campos de refugiados, cerca de 860 mil rohingyas vivem em um terreno de 26 quilômetros quadrados em Cox’s Bazar, com acesso precário a água limpa ou sabão. Eles dependem de distribuições comunitárias de água potável, alimentos e combustível, o que significa que precisam esperar horas e em meio a uma certa aglomeração para conseguir obter esses bens.

“As pessoas se sentem frustradas com a orientação constante de que devem lavar suas mãos. Se você só recebe 11 litros de água por dia, como isso pode ser o suficiente para você lavar as mãos o tempo todo?”, diz Richard Galpin, especialista em água e saneamento de Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Após décadas de perseguição em Mianmar, em que o acesso a serviços de saúde era extremamente restrito, os rohingyas têm baixos níveis de saúde e não estão protegidos pelas imunizações de rotina, o que, novamente, os torna particularmente vulneráveis, sobretudo a doenças infecciosas.

Antes da COVID-19, cerca de 30% dos pacientes tratados por MSF nos campos de refugiados apresentavam sintomas de infecção do trato respiratório, como falta de ar. Isso os coloca no grupo de alto risco dessa nova doença.

2. Continuidade dos serviços essenciais e do acesso a assistência

A capacidade dos serviços de saúde está sendo redirecionada para lidar com a propagação do novo coronavírus e a resposta humanitária sofreu redução significativa. No entanto, as mães continuarão dando à luz, as crianças continuarão ficando doentes com diarreia e pacientes crônicos continuarão precisando de suas medicações. É crucial que essas atividades essenciais e vitais sejam mantidas.

As restrições de viagem, embora sejam fundamentais para limitar a disseminação da COVID-19, estão afetando o acesso a cuidados de saúde. Agora, está muito mais difícil para as pessoas com doenças que não apresentam sintomas aparentes conseguirem provar que estão doentes e que têm direito a viajar para hospitais para receber tratamento. Aqueles que sofrem com transtornos psiquiátricos ou doenças crônicas, como diabetes, podem parecer saudáveis à primeira vista, mas caso seu tratamento regular seja interrompido eles correm o risco de regredir e de que sintomas muito nocivos reapareçam. Na semana passada, uma paciente chegou a uma instalação médica de MSF aos prantos. Ela estava com medo de ser recusada; levou cinco dias para que ela conseguisse um transporte para ir ao hospital.

Para os rohingyas, o período de chuvas de monção que está por vir nos próximos meses significa que o risco de surtos de doenças transmitidas pela água, como a cólera, vai aumentar. Manter a provisão de saneamento e água corrente em um campo com uma população tão grande é ainda mais desafiador nas atuais circunstâncias. O lodo nas latrinas precisa ser removido e as redes de distribuição de água devem ser mantidas e reparadas; tudo isso requer suprimentos, materiais e mão-de-obra, cujo abastecimento atualmente é limitado.

3. Desgaste de confiança

Pela nossa experiência no combate a surtos de outras infecções, MSF aprendeu o quão importante é envolver e explicar à comunidade que estamos lá para ajudar. Isso é crucial para que eles entendam como se proteger, acabar com rumores e reduzir o medo, além de dar às pessoas um senso de controle. A comunidade rohingya e os bangaleses estão compreensivamente com medo. Boatos e desinformação podem se espalhar tão rápido quanto o vírus.

O medo está mantendo afastadas das nossas clínicas as pessoas que precisam de tratamento essencial que não seja para a COVID-19. Ao longo das últimas semanas, temos observado uma redução no número de consultas. No hospital de campo em Kutupalong, em Cox’s Bazar, MSF normalmente atende entre 80 e 100 pacientes por dia, que precisam de troca de curativo. Muitos têm ferimentos crônicos, que precisam de limpeza e troca de curativo regular a cada dois ou três dias. Agora, só estamos atendendo 30 pacientes por dia. Sem os curativos, há risco de infecção, sepse e até morte.

Nossas equipes de promoção de saúde nos campos de refugiados e em vilarejos bangaleses vizinhos estão trabalhando em atividades de conscientização sobre a prevenção da COVID-19. Para evitar agrupamento de pessoas, eles vão de casa em casa e falam com cada membro das famílias.

Fizemos vídeos educativos curtos para compartilhar com as pessoas via Bluetooth, uma vez que há restrição na conexão de internet. Também estamos trabalhando junto a líderes comunitários e religiosos para que nos ajudem a compartilhar mensagens de saúde no boca a boca e organizando visitas até as nossas alas de isolamento para que as pessoas vejam e, assim, possamos construir uma relação de confiança com a comunidade.

4. Proteção aos profissionais da linha de frente

Os profissionais de saúde estão na linha de frente da resposta à COVID-19. Sem eles, não há como combater essa crise de saúde ou atender outras necessidades médicas.

Em Bangladesh, assim como em outras partes do mundo, MSF está enfrentando escassez de equipamentos essenciais de proteção individual (EPIs), como máscaras, jalecos, óculos e luvas. Os profissionais de saúde são o grupo com maior risco de contrair a COVID-19. Não vamos expor nossa equipe a riscos desnecessários de infecção, mas isso afetará nosso trabalho.

“As limitações determinarão nossa capacidade de resposta ao surto de COVID-19, bem como nossa capacidade de manter atividades médicas regulares”, diz Muriel Boursier, coordenador-geral de MSF. “Essa incerteza e a falta de garantia de que poderemos manter nosso compromisso com nossos pacientes é uma enorme pressão sobre a equipe”.

Embora tenhamos observado demonstrações de solidariedade inspiradoras com os profissionais da linha de frente no mundo todo, também vimos o medo impulsionar um comportamento estigmatizante e cruel. Bangladesh não está isento dessas situações. Alguns de nossos profissionais foram hostilizados ou ameaçados verbalmente por comunidades com medo da COVID-19 e outros estão enfrentando despejos por parte dos proprietários que não querem abrigar profissionais da linha de frente.   

Se os profissionais de saúde se sentirem inseguros ou desamparados para realizar seu trabalho, não haverá resposta adequada à COVID-19.

5. Tratamento de pacientes com COVID-19

MSF criou alas de isolamento em todas as nossas instalações médicas em Cox’s Bazar e está preparando dois centros de tratamento para COVID-19. No total, disponibilizamos 300 leitos de isolamento, mas isso é apenas uma fração da capacidade necessária se houver um surto generalizado entre os rohingyas. Nossas clínicas nos campos de refugiados não têm capacidade para tratar casos graves, devido à falta de ventiladores e à disponibilidade limitada de oxigênio concentrado.

Para ampliar nossa resposta a essa pandemia, nos dedicamos bastante para conseguir recrutar a equipe local de Bangladesh. Também precisamos de pessoal internacional, mas existem as restrições de viagem para Bangladesh.

A necessidade de equipe médica, como médicos e enfermeiros, é clara, mas há muitas outras pessoas envolvidas. Precisamos de gestores para administrarem nossos hospitais, logísticos para garantir que tenhamos suprimentos médicos de qualidade quando são necessários e muito mais. MSF contratou uma frota de ônibus, que transportará centenas de profissionais para hospitais e clínicas de MSF em Cox’s Bazar – um exercício logístico diário imenso e demorado.
MSF está trabalhando dia e noite apesar de todas essas dificuldades. Para que exista uma chance realista de combater a COVID-19 entre as comunidades mais vulneráveis de Bangladesh, todos os atores e autoridades de saúde devem trabalhar juntos, em solidariedade.

 

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